Os bens culturais são classificados em duas categorias: os materiais e os imateriais. O artesanato com a palha do butiá é um bem cultural imaterial por ser, antes de um produto físico, o conjunto de conhecimentos, técnicas e tradições que atravessam gerações.
A arte feita a partir da palha do butiá tem inúmeros significados para a comunidade da Restinga de Itapeva, onde ela se encontra inserida. Além do aspecto econômico, há uma ligação afetiva, muitas vezes, relacionada ao vínculo familiar, que costuma ser a origem do saber que as artesãs trazem consigo.
Os significados construídos ao longo do tempo geram um reconhecimento da comunidade com aquela forma de expressão. Este reconhecimento se rearranja constantemente, à medida que a vida da comunidade também muda, e torna o artesanato parte importante da cultura local. Um bem cultural imaterial daquela comunidade.
O patrimônio cultural imaterial de uma comunidade é o conjunto de práticas da vida social que se manifesta em representações, expressões, saberes e fazeres que constituem a identidade daquele grupo de pessoas. Sobre ele é atribuído um valor coletivo a ponto de despertar o desejo de transmissão para as futuras gerações. Ele é formado também por instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais associados aos conhecimentos.
A noção de patrimônio cultural imaterial busca a preservação de tudo aquilo ao que é atribuído valor e que melhor representa aquela comunidade. Formada por manifestações do presente e do passado, populares e eruditas, particulares e ao mesmo tempo universais, esse patrimônio proporciona um sentido de identidade coletiva e continuidade, que leva ao respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana.
Por ser dependente dos portadores dos conhecimentos e das condições econômicas, culturais e ambientais a ele associadas, é um bem muito vulnerável e está em constante mutação. Faz parte de um processo vivo e dinâmico, que se recria a partir da recomposição e negociação com o passado.
O reconhecimento de um bem cultural como patrimônio passa a ser um meio de transformação social, restabelecendo as conexões perdidas, a afetividade e a auto-estima dos grupos envolvidos. Os atores que propiciam a sua existência perdem a posição de neutralidade e contemplação passiva e se tornam agentes nos seus processos de vida, o que os estimula a mostrarem suas habilidades e inteligências, quebrando, assim, uma “cultura do silêncio”.
Ao longo do tempo e das civilizações, as fibras naturais vêm sendo utilizadas com diferentes fins por povos de todas as partes do planeta. Trabalhadas também de diferentes formas, elas são transformadas em tecidos, tranças ou somente agrupadas em blocos, e assim, dão origem a inúmeros produtos artesanais que são usados pela própria comunidade, funcionando como moeda de troca ou, mais recentemente, como atrativos turísticos.
Muitos meios de transporte aquáticos de antigas civilizações eram produzidos com fibras de plantas, que variam conforme o lugar do planeta no qual viviam.
No antigo Egito, o papiro (Cyperus papyrus) – que também era usado como suporte para a escrita e para a confecção de cestas e sandálias – era utilizado como matéria-prima para a construção de embarcações. O modelo de embarcação egípcia tem o formato de foice e é muito parecido com os barcos confeccionados com totora (Schoenoplectus tatora) pelos Uros, comunidade originária da bahia de Puno, às margens do Lago Titicaca, no Peru.
A totora é, ainda hoje, uma planta bastante importante para os Uros. Além das embarcações, sua fibra é utilizada para a construção das ilhas flutuantes e das habitações onde eles vivem. Ela cresce em águas pouco profundas do lago e em áreas úmidas que circundam os principais rios, afluentes e lagunas. Os conhecimentos e práticas ancestrais ligados ao manejo da planta são considerados patrimônio cultural imaterial daquela comunidade e, em 2013, foram reconhecidos como patrimônio cultural da nação peruana.
O algodão é a mais comum das fibras utilizadas para a confecção de tecidos atualmente. Apesar da presença predominante no sistema industrial de produção têxtil, a qualidade do algodão é menor do que de outras fibras, como o linho (Linum usitatissimum) e o cânhamo. O linho é a mais antiga fibra utilizada pra confecção de tecidos. Por ser considerado um tecido puro, no antigo Egito ele era usado na vestimenta dos mortos. A qualidade do tecido variava conforme a posição social do indivíduo.
O cânhamo, produzido a partir do caule da Cannabis sativa, planta da qual provém também a flor da maconha e que é, por isso, proibida em muitos países, tem maior duração e o custo para sua produção é menor do que o algodão. No século XVIII, o Rio Grande do Sul era o grande produtor de cânhamo do Brasil. A Real Feitoria de Linho Cânhamo, instalada no Vale dos Sinos durante o Brasil Imperial, era uma estatal portuguesa criada para a produção de cordas e velas para embarcações. Com um grande número de escravos trabalhando no local, a Feitoria esteve ativa até depois da Independência do Brasil, em 1824.
Em tempos de globalização, a interdependência entre natureza e cultura nem sempre é percebida em toda sua importância. Há algumas décadas, as práticas e produtos culturais eram muito mais vinculados ao que se tinha ao alcance da mão. A relação do homem com a natureza era próxima: criava-se a partir do que existia no quintal de casa. Hoje, o grande fluxo de informação, intensificado com a disseminação da internet, parece nos trazer tudo ao alcance de um clique. Ilusoriamente, o mundo inteiro se tornou nosso quintal, mas esse espaço é construído de forma cada vez mais abstrata e já não tem um sentido real.
Algumas comunidades, entretanto, ainda mantêm uma forte relação com o ecossistema no qual estão inseridas. É o caso das artesãs do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, que até hoje mantém a tradição do artesanato feito com fibras de plantas nativas da região. O saber sobre o processo de manejo da planta, secagem da fibra e confecção do produto artesanal é um conhecimento transmitido através de gerações e que, com toda sua singularidade, já faz parte da identidade dessa comunidade, caracterizando-se como um bem cultural imaterial daquele grupo de pessoas.
A interdependência nesse caso é estabelecida entre o artesanato e os butiazais, ecossistema que já foi uma paisagem predominante na região e, hoje, conta com poucos remanescentes. Criar essa relação, conhecer a natureza que nos rodeia e reconhecer a importância do ambiente para a permanência dos bens naturais e dos bens culturais imateriais é decisivo para mantê-lo vivo.
A valorização de um leva à conservação do outro e vice-versa. A visão sistêmica, formada a partir da visão do todo, é fundamental pra estabelecer a relação entre o meio, que provém a matéria-prima, e a comunidade, que interage de forma equilibrada com o local.
voltar topoChapéus, bolsas, cestas, tapetes, carteiras e outras tantas peças únicas, produzidas por mãos que sustentam famílias inteiras com seu trabalho e que têm o conhecimento de todo o processo artesanal. Da retirada da folha ao detalhe da finalização do chapéu.
Os produtos finais encantam os olhos de quem vê, mas o artesanato produzido com a palha do butiá (e com fibras de outras plantas nativas) do Litoral Norte do Rio Grande do Sul vai muito além disso. Presente há pelo menos três gerações, em todas as famílias com as quais conversamos, a atividade teve papel fundamental na vida de muitas pessoas, tanto no âmbito financeiro, quanto no cultural, sendo reconhecida pela própria comunidade local como um bem cultural da região.
A atividade também é um momento prazeroso para as artesãs, que veem no artesanato uma forma de terapia, de passatempo e também de diversão. Desde muito tempo atrás, quando a atividade fazia parte da vida de quase todas as famílias, ela integra a comunidade – no sentido de proporcionar a interação entre as pessoas, mas também por ser parte integrante da vida delas. Muitas crianças encaram-na quase como um jogo “pra ver quem acaba antes”. Entre os adultos, o momento de trançar a palha proporciona um espaço de conversas, trocas ou mesmo de deixar quaisquer outras coisas de lado.
Além de toda sua singularidade e valor, os processos, produtos e portadores desse conhecimento convivem em equilíbrio com a natureza. Para compartilhar e inspirar a todos nós, aqui está o registro do conhecimento tradicional dessa comunidade da Mata Atlântica do Sul do Brasil.
O processo artesanal varia conforme cada artesã, mas algumas fases da produção do artesanato são comuns a todas elas: colheita da folha, secagem, estalagem, amaciamento da folha, pintura da folha, confecção da trança, despicagem e costura.
Deixam-se sempre três folhas em cada butiazeiro. A partir de outubro não se deve tirar pra preservar o cacho da fruta. Segundo Judith, a palha deve ser tirada na lua crescente ou na cheia. Se for tirada na minguante, o pé fica ruim e a palha, enrolada. As artesãs dizem que quando a folha é tirada, o butiazeiro “vem mais bonito”.
Estendem-se as folhas na sombra, quando o tempo estiver seco, por cerca de quatro dias. O tempo e a superfície onde as folhas vão ser deixadas não podem estar úmidos, pois a umidade escurece o material. Quando chega a noite, as folhas devem ser recolhidas para não pegar umidade. Se elas estiverem um pouco murchas, coloca-se ao sol. Quanto mais envelhecidas elas estiverem quando forem tiradas do butiazeiro, mais manchadas ficam, perdendo a qualidade.
As diversas lâminas da folha do butiazeiro estão presas a um talo central que as sustentam. Cada lâmina possui ainda um pequeno talinho entre as duas abas. O processo de estalar a folha consiste em tirar esses talos. Assim, obtém-se a palha para ser usada no artesanato. A esse processo as artesãs dão o nome de “tirar os talos”. Depois de estalar, corta-se a palha no local onde ela começa a afinar para que todas as partes da trança fiquem com a mesma largura.
O amaciamento da palha facilita a costura e o manuseio do material. Utilizando uma faca de cozinha, Elita raspa toda a extensão da palha para amaciá-la. Outra técnica, utilizada por Bautia, consiste em enrolar a palha em um pano úmido. Essa etapa é importante para tornar o chapéu mais confortável, mas pode ser dispensada em alguns produtos como as bolsas mais estruturadas.
A pintura da palha pode ser usada para criar variedade e destaque em produtos como bolsas, carteiras e tapetes. Geralmente os chapéus não são pintados. Utilizando um pó corante sintético ou natural, Maria Querino e Verônica o misturam em uma panela com água fervente e passam cada palha individualmente no líquido. O verniz também é usado para diversificar a coloração do material e só é aplicado na bolsa quando pronta. Quando a palha fica manchada, seja por causa da umidade ou por ter sido tirada já envelhecida do pé, elas podem ser pintadas para que não se perca o material.
A confecção da trança é o momento mais simbólico do processo de produção do artesanato com a palha do butiá. É dele que as artesãs lembram com certa nostalgia e carinho ao contarem como acontecia o processo artesanal. Famílias e vizinhos se reuniam embaixo das árvores durante a tarde, as crianças competiam para ver quem fazia mais tranças em menos tempo, mães e filhas compartilhavam as noites, após o trabalho na roça, trançando. Além disso, a atividade é considerada por elas um passatempo e até uma forma de terapia, já que “não deixa pensar em coisas ruins”. As tranças geralmente são feitas com 9, 13 ou 17 palhas. Com um feixe de palha é possível produzir 22 braças de trança. Cada braça é equivalente a 1,10m – para produzir um chapéu, por exemplo, é necessário 3,5 braças. As palhas podem ter diferentes larguras. Quanto mais fina, menos luz passa pelo chapéu.
Como as palhas são unidas uma à outra só por encaixe, depois de trançar é preciso cortar as pontas das palhas que ficam aparecendo. A esse processo, as artesãs dão o nome de “despicar a palha”.
Feita à mão por quase todas as artesãs, exceto por Verônica, que utilizava a máquina de costura para as bolsas. Originalmente, o fio utilizado era a embira, uma fibra natural com a qual se confecciona cordas. Hoje em dia, algumas delas utilizam o algodão e outras mesclam os dois para diminuir o custo, já que a embira é mais barata. Para a produção do chapéu, utiliza-se um molde no formato da cabeça, ao redor do qual se costura a trança. Algumas bolsas podem ser confeccionadas usando um balde como molde. Para os demais produtos, não são utilizadas formas. O molde de madeira de lei utilizado para dar formato ao chapéu é passado de geração em geração. A maciez da palha facilita o trabalho de costura. A altura da aba do chapéu é controlada por uma técnica chamada crescente. O método é aplicado no momento de juntar as tranças e é equivalente ao aumento de um ponto no crochê ou no tricô, o que é feito colocando uma palha a mais em um dos lados da trança. A crescente faz com que a aba não fique encanoada.
O artesanato com palha de butiá ajudou a escrever a história da vida de muitos moradores da região da Restinga de Itapeva, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul.
Presente na vida das artesãs desde a infância, o bem cultural foi se modificando junto com a comunidade que o faz existir. O conhecimento sobre o artesanato é passado de geração em geração, o que o torna parte integrante da identidade do lugar e das pessoas.
Cada um dos portadores desse conhecimento se relaciona de forma singular com a atividade, mas todos levam a marca registrada do detalhe e do carinho depositados no trabalho. Conheça um pouco da história e da arte de alguns deles.
Maria Querino Teixeira é mais conhecida na região como a “Maria, filha da dona Maricota”. Moradora da Vila São João, a artesã de 78 anos trabalha com a palha desde criança, quando sua mãe lhe ensinou o ofício para que ela ajudasse em casa – como acontece na maioria das famílias. Ao longo do tempo, ela passou a ver a atividade também como entretenimento e, atualmente, Maria conta que está parando “porque os filhos não deixam mais”. A idade se torna um limitante já que a artesã trabalha no chão, sentada sobre uma taboa e um pelego. Maria é muito criativa e detalhista. Utilizando o butiá e a taboa, ela confecciona bolsas em diferentes cores, formatos e tamanhos, criados por ela própria. Em outros tempos, produziu chapéus e tapetes, mas passou a se dedicar exclusivamente às bolsas pelo melhor valor de venda e por ser mais fácil de armazenar na pequena sala nos fundos de sua casa, onde guarda os materiais. O conhecimento sobre o processo veio de sua mãe e foi passado para suas filhas e filhos, que, como ela, ajudavam quando pequenos. A tradição, entretanto, não se manteve. Os filhos já não fazem mais e os netos, segundo ela, “não querem nem saber”. Com a renda proveniente do artesanato, Maria conseguiu construir sua casa e cobrir as despesas de saúde da família.
A família de Elita Pacheco Daitx tem uma forte ligação com a palha do butiá há pelo menos seis gerações. O caminho foi longo até que o conhecimento sobre o artesanato chegasse aos seus netos: da bisavó Carolina, para a avó Angelina, passando pela mãe Emerina e por Elita, que ensinou seus filhos Enoir, Negra e Elenir Pacheco Daitx, a Preta, mãe de Bruno, Felipe, Gabriel e Leonardo, que hoje mantêm a tradição viva, ainda que desvinculada da questão econômica. Para além do artesanato, a palha também fornecia a principal renda da família, vinda do engenho de clina – um tipo de estofamento feito com o material – mantido pelo pai de Elita, Francisco Onofre Pacheco, e que era também uma forma de conseguir as melhores palhas para o artesanato. Esse vínculo de mais de um século é claramente percebido quando as artesãs falam sobre o significado do artesanato em suas vidas. Elita, que tem 70 anos, parou de trabalhar com a palha recentemente por causa da proibição da retirada da folha e por problemas de saúde causados pelo pó da palha, mas conta que trançar “não deixa pensar em coisas ruins”. Para Preta, de 36 anos, trançar acalma. Elita também diz que gostaria de voltar a fazer, caso a retirada seja autorizada. A arte, além de ser importante econômica e culturalmente, tem também valor afetivo na vida dela. “Às vezes eu fico com as mãos trêmulas e penso ‘ai, minhas trancinhas’”, conta emocionada. É na confecção do chapéu que se materializa a tradição familiar. A especialidade de Elita é o chapéu com palha fininha, que é mais fechado e bom para trabalhar na roça, já que protege melhor do sol. Antigamente, sentados no chão ao redor de sua mãe, Elita e os irmãos trançavam a palha ainda verde para aprender. “Até a hora da janta a gente tinha que fazer um chapéu”, relembra.
A família de Elita Pacheco Daitx tem uma forte ligação com a palha do butiá há pelo menos seis gerações. O caminho foi longo até que o conhecimento sobre o artesanato chegasse aos seus netos: da bisavó Carolina, para a avó Angelina, passando pela mãe Emerina e por Elita, que ensinou seus filhos Enoir, Negra e Elenir Pacheco Daitx, a Preta, mãe de Bruno, Felipe, Gabriel e Leonardo, que hoje mantêm a tradição viva, ainda que desvinculada da questão econômica. Para além do artesanato, a palha também fornecia a principal renda da família, vinda do engenho de clina – um tipo de estofamento feito com o material – mantido pelo pai de Elita, Francisco Onofre Pacheco, e que era também uma forma de conseguir as melhores palhas para o artesanato. Esse vínculo de mais de um século é claramente percebido quando as artesãs falam sobre o significado do artesanato em suas vidas. Elita, que tem 70 anos, parou de trabalhar com a palha recentemente por causa da proibição da retirada da folha e por problemas de saúde causados pelo pó da palha, mas conta que trançar “não deixa pensar em coisas ruins”. Para Preta, de 36 anos, trançar acalma. Elita também diz que gostaria de voltar a fazer, caso a retirada seja autorizada. A arte, além de ser importante econômica e culturalmente, tem também valor afetivo na vida dela. “Às vezes eu fico com as mãos trêmulas e penso ‘ai, minhas trancinhas’”, conta emocionada. É na confecção do chapéu que se materializa a tradição familiar. A especialidade de Elita é o chapéu com palha fininha, que é mais fechado e bom para trabalhar na roça, já que protege melhor do sol. Antigamente, sentados no chão ao redor de sua mãe, Elita e os irmãos trançavam a palha ainda verde para aprender. “Até a hora da janta a gente tinha que fazer um chapéu”, relembra.
Verônica Monteiro dos Santos tem 90 anos, e até os 85 ainda fazia artesanato. Sua mãe, Docelíria Maria Monteiro, ensinou o ofício aos oito filhos, mas só Verônica continuou nesse caminho. Na época, ela aprendeu a fazer somente o chapéu, já que era o produto mais vendido. Verônica conta que a família se reunia dentro de casa e com as palhas retiradas do butiazeiro do quintal, todos trançavam juntos. Depois de adulta, a artesã fez um curso da Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social, onde aprendeu a utilizar outros materiais, como a taboa, a bananeira e a tiririca e a produzir bolsas com as palhas. Moradora da região de Campo Bonito, Verônica confeccionava chapéus, bolsas e uma carteira da qual ela própria criou o modelo. Uma das peculiaridades do seu trabalho está no uso da máquina de costura para a produção das bolsas. Ela também é uma das únicas da região a utilizar tinturas coloridas. Verônica conta que o artesanato ajudou muito para criar os filhos. Ela e a família trabalhavam na roça durante o dia e o artesanato servia como um complemento para a renda. A preocupação com a grande demanda de trabalho e os problemas de vista foram os motivos que a fizeram parar, mas ela diz que sente saudade.
Angelina Inácia Jorge dos Santos faz artesanato com palha de butiá há 88 anos. Com 8 anos, ela aprendeu a técnica observando suas primas Odete, Doronita e Geni fazerem. Ao contrário da maioria das artesãs, a mãe de Angelina, Inácia Carolina Jorge, não queria ensinar o ofício à filha, que acabou aprendendo escondida, por incentivo de seu tio Jango. Mais tarde, quando teve seus nove filhos, ela fez diferente de sua mãe e passou o conhecimento para as seis mulheres da família. Até recentemente, a artesã, de 96 anos, ainda trançava e vendia suas peças. A dor no braço, porém, tem a obrigado a parar. Angelina conta que gosta de todas as partes do processo artesanal. Com a ajuda do neto Luís Carlos, que sempre gostou de despicar a palha, ela sentava à mesa e fazia até seis chapéus por noite. A artesã também confeccionava tapetes quadrados e redondos e conta, orgulhosa, que já fez um tapete com até dezesseis voltas de trança. Presença constante ao longo de toda sua vida, o artesanato lhe traz diversas lembranças. Dos momentos reunidos trançando embaixo da laranjeira às noites de trabalho depois de ter passado o dia na roça. O esforço era necessário, já que a família utilizava o chapéu como moeda de troca nos armazéns , trocando-os por comida. Além de venderem o produto nos portos, ele funcionava também como moeda de troca no mercado.
Judith da Rosa Santos, de 70 anos, aprendeu a técnica do artesanato e o conhecimento sobre as datas e luas certas para a colheita das fibras com sua mãe, Gerônima Bauer da Rosa. Após a proibição da retirada da folha, a artesã parou de fazer artesanato com palha, mas a técnica da trança ainda é aplicada por ela e por sua filha em outros materiais, como o jornal. Na infância, Judith, os irmãos e a mãe ficavam até tarde trançando, depois de trabalhar na lavoura durante o dia. O artesanato era como uma brincadeira: eles davam um nó na palha para ver quem fazia mais braças de trança em determinado tempo. “A nossa mãe dizia: vocês tem que fazer ‘tal’ quantidade de chapéus, então funcionava como um jogo”, conta. Os dois produtos que ela fazia eram o chapéu e o jogo americano para mesa, uma especialidade da artesã. Ela conta que o início e o fim da costura do chapéu eram feitas com linha de algodão, mas, na maior parte, era usada a embira, que tornava a produção mais barata. Os produtos eram vendidos no antigo armazém de seu pai, Manoel Nunes da Rosa, no Campo Bonito, ou trocados por outros produtos. Judith conta que todo seu enxoval foi feito com o dinheiro do artesanato, mas que hoje “ninguém se interessa. E pra que ensinar se não adianta pra eles?”, se referindo à falta de retorno financeiro da atividade.
Irma Pacheco da Silveira já não faz mais o artesanato com palha, mas, junto com a irmã Elita, ela transmite aos mais novos a tradição que atravessa pelo menos seis gerações de sua família. Na sua casa, o conhecimento foi passado para os quatro filhos Marcia da Silveira Módica, Jarbas, Marcos e Leandro Pacheco da Silveira. Irma diz que “como é fácil de fazer, todo mundo aprende”. Seus filhos faziam nos fins de semana, quando iam passar um tempo junto à avó. Além do saber sobre o artesanato, esse costume também foi transmitido de geração pra geração. A artesã conta que suas netas, Natália e Manuela, filhas de Jarbas, quando a visitavam, ajudavam a trançar, o que era também uma forma de lazer. A ligação com a atividade vem também da família de seu marido, Manoel Motta da Silveira. Irma conta que a avó dele, Gestrudes Motta, tinha origem indígena e utilizava a mesma técnica de trança para fazer suas artes, confirmando a mescla cultural entre índios e açorianos, que deu origem ao artesanato como o conhecemos atualmente. Nos velhos tempos, a manhã era a hora de estalar a palha para de noite fazer a trança. A vizinhança se reunia já à tarde e ficava até o fim da noite fazendo artesanato. Ela conta que sente falta da atividade que se criou fazendo. A proibição da retirada e outras prioridades a fizeram parar, mas ela lembra com carinho do tempo que trançava e Elita costurava. Faziam chapéus e algumas bolsas. Os produtos eram escambados em mercadinhos da região ou enfardados com arame e colocados em um carro de boi que os levavam pra vender. “A gente fazia a trança pra se vestir”, relembra ela, deixando claro o valor da atividade em sua vida.
Quando chegamos à casa de Bautia Martins da Silva, em um domingo de manhã, fazia sol e ela costurava chapéus sentada no sofá de casa. Com pilhas de tranças de um lado e pilhas de chapéus do outro, ela nos contou que antigamente todas as famílias da vizinhança faziam artesanato, mas hoje ela é um das únicas da região da Estrada Geral, perto do Parque de Itapeva, que continua. O ofício faz parte de sua família pelo menos desde os tempos da bisavó, Clarinda. Bautia, de 72 anos, considera o artesanato uma terapia, mas, para além disso, a atividade foi muito importante no aspecto financeiro. “Naquela época os pais não deixavam trabalhar fora, então era uma forma de ganhar dinheiro”, explica. Ela e os onze irmãos, cinco mulheres e seis homens, trabalhavam na roça durante o dia e, quando acabavam a tarefa passada pelo pai, no fim da tarde, começavam o artesanato. O processo foi ensinado por seu pai, Manoel Lúcio Martins, e sua mãe, Manuela dos Santos, mas entre seus cinco filhos, nenhum quis aprender. A presença da planta na vida da artesã é tão marcante que Bautia quase tem butiá no próprio nome. Parte da palha utilizada como matéria prima vem do butiazeiro que ela tem no quintal de casa, mas a maioria é fornecida por seu irmão. Com ela, a artesã produz até vinte dúzias de chapéu por ano, seu único produto atualmente. Quando menina, ela também confeccionava cestos para as colegas do colégio com uma flor de palha no lugar do botão. O detalhe e o carinho envolvidos são marcas registradas do artesanato com palha de butiá.
O artesanato é presença constante na família de Calmira Minervina da Rosa, de 94 anos. Durante muitos anos, a artesã manteve a “Tenda da Vó Calmira”, como ela é chamada na região, onde vendia seus produtos e de outras artesãs locais. Calmira aprendeu a técnica sozinha, aos sete anos, e desde então ensinou aos onze filhos e aos netos que quiseram aprender. A influência não ficou somente no conhecimento sobre o artesanato com palha. Hoje, a neta Jussara de Lima Rosa leva o legado da criatividade e da relação entre a arte e a natureza, deixada pela vó e pelo pai, Manoel Honório da Rosa, filho de Calmira falecido há quatro anos. Toda a família de Calmira trabalhava com a palha do butiá. Hoje, ela já não faz mais o artesanato por causa da idade, mas, nos velhos tempos, os nove irmãos se reuniam para trançar. Jussara, que tem 43 anos, conta que a vó ensinava os netos e “dava um dinheirinho” quando eles ajudavam. Ela ainda não ensinou a ninguém, mas lembra que o pai, Manoel, fazia questão de que os filhos aprendessem “não pra que seguissem a mesma coisa, mas pra que soubessem de onde vieram”. Manoel tinha grande ligação com o artesanato. A criatividade é vista na diversidade dos produtos utilitários e também decorativos – bolsas, cestos chapéus, balaios, porta-agulhas, balões – e dos materiais utilizados – butiá, cipó-imbé, taquarinha, tiririca. Jussara conta que dava ideias para o pai e ele colocava em prática. Ela lembra, rindo, que às vezes os amigos a perguntam “mas de onde tu tira essas ideias?”, se referindo às decorações com cipós e folhas que ela faz, e ela diz que “ah, vem da família."
O artesanato é presença constante na família de Calmira Minervina da Rosa, de 94 anos. Durante muitos anos, a artesã manteve a “Tenda da Vó Calmira”, como ela é chamada na região, onde vendia seus produtos e de outras artesãs locais. Calmira aprendeu a técnica sozinha, aos sete anos, e desde então ensinou aos onze filhos e aos netos que quiseram aprender. A influência não ficou somente no conhecimento sobre o artesanato com palha. Hoje, a neta Jussara de Lima Rosa leva o legado da criatividade e da relação entre a arte e a natureza, deixada pela vó e pelo pai, Manoel Honório da Rosa, filho de Calmira falecido há quatro anos. Toda a família de Calmira trabalhava com a palha do butiá. Hoje, ela já não faz mais o artesanato por causa da idade, mas, nos velhos tempos, os nove irmãos se reuniam para trançar. Jussara, que tem 43 anos, conta que a vó ensinava os netos e “dava um dinheirinho” quando eles ajudavam. Ela ainda não ensinou a ninguém, mas lembra que o pai, Manoel, fazia questão de que os filhos aprendessem “não pra que seguissem a mesma coisa, mas pra que soubessem de onde vieram”. Manoel tinha grande ligação com o artesanato. A criatividade é vista na diversidade dos produtos utilitários e também decorativos – bolsas, cestos chapéus, balaios, porta-agulhas, balões – e dos materiais utilizados – butiá, cipó-imbé, taquarinha, tiririca. Jussara conta que dava ideias para o pai e ele colocava em prática. Ela lembra, rindo, que às vezes os amigos a perguntam “mas de onde tu tira essas ideias?”, se referindo às decorações com cipós e folhas que ela faz, e ela diz que “ah, vem da família
A produção de chapéu teve importância fundamental na vida de Maria dos Santos. Foi por meio da venda deles que ela pagou a aposentadoria da sua mãe, Angelina, fez o enxoval e, antes de tudo, alimentou a família. Na época, eles trocavam o produto por comida nos armazéns que o revendiam. Atualmente, a artesã de 57 anos trabalha só na roça. Depois que quebrou um dos braços, Maria perdeu a força de uma das mãos, o que dificulta o trabalho minucioso do artesanato. A falta de compradores também teve grande influência na decisão. Sua mãe ensinou o processo artesanal às seis filhas. Maria lembra que o trabalho era passado como uma tarefa às meninas, que competiam para ver quem acabava antes e, assim, podiam ir brincar. Mas a mãe não aceitava qualquer coisa. “Se fazia mal feito, ela mandava desmanchar”, conta a artesã, que hoje ri da situação. Há poucos anos, ela ainda fazia parceria com a irmã Geli dos Santos, que mora perto de sua casa. Ela colhia as folhas e a irmã se encarregava do preparo da palha e de fazer as tranças que, depois, voltavam à Maria para que ela costurasse os chapéus. Ela conta que gostava muito de trançar e que mesmo “sendo a coisa mais fácil que tem”, seu único filho nunca quis aprender. A necessidade econômica tem grande influência na propagação do bem cultural, que agora se mantém na família pela lembrança e pela relevância que teve na vida de todos eles.
A produção de chapéu teve importância fundamental na vida de Maria dos Santos. Foi por meio da venda deles que ela pagou a aposentadoria da sua mãe, Angelina, fez o enxoval e, antes de tudo, alimentou a família. Na época, eles trocavam o produto por comida nos armazéns que o revendiam. Atualmente, a artesã de 57 anos trabalha só na roça. Depois que quebrou um dos braços, Maria perdeu a força de uma das mãos, o que dificulta o trabalho minucioso do artesanato. A falta de compradores também teve grande influência na decisão. Sua mãe ensinou o processo artesanal às seis filhas. Maria lembra que o trabalho era passado como uma tarefa às meninas, que competiam para ver quem acabava antes e, assim, podiam ir brincar. Mas a mãe não aceitava qualquer coisa. “Se fazia mal feito, ela mandava desmanchar”, conta a artesã, que hoje ri da situação. Há poucos anos, ela ainda fazia parceria com a irmã Geli dos Santos, que mora perto de sua casa. Ela colhia as folhas e a irmã se encarregava do preparo da palha e de fazer as tranças que, depois, voltavam à Maria para que ela costurasse os chapéus. Ela conta que gostava muito de trançar e que mesmo “sendo a coisa mais fácil que tem”, seu único filho nunca quis aprender. A necessidade econômica tem grande influência na propagação do bem cultural, que agora se mantém na família pela lembrança e pela relevância que teve na vida de todos eles.
O artesanato com palha de butiá, desde cedo, faz parte da vida de Maria da Rosa Clezar, a Mariquinha. “Desde o primeiro calçado que botei no pé eu trabalhei com cestinho”. Mariquinha é filha da Vó Calmira, e vem de uma família de artesãos: o ofício começou com o padrasto da mãe, João Filisbino, que era de origem indígena, e ensinou as crianças da família a fazer um balaio grande de palha pra carregar as coisas da roça. Todos os 13 filhos de Calmira faziam artesanato junto com a mãe, usando, além do butiá, taboa, cipó e taquara, e também se revezavam nas tarefas domésticas. Com a palha do butiá faziam chapéu e cestinho: “A mãe era muito caprichosa e fazia nós fazermos tudo direitinho”. Quando mocinhas, Mariquinha e as irmãs de dia trabalhavam pra ajudar nas despesas da casa e depois faziam serão até uma ou duas horas da madrugada, para comprar roupa. Naquele tempo, diz ela, “se vivia muito bem com o artesanato”. Tanto que, mesmo depois de casada, decidiu continuar trabalhando, e ensinou o marido Inácio a fazer a colheita da palha.
Logo, os dois passaram a se dedicar ao artesanato. Na primeira vez, com pouco dinheiro, decidiram arriscar: foram de ônibus até Araranguá e de lá, andaram 12 km a pé até a praia de Arroio do Silva, SC. A aventura deu certo: o casal montou uma barraquinha e passou 18 anos trabalhando lá durante os verões. Durante o resto do ano, produziam. Os 4 filhos aprenderam e trançavam junto: “Não é ensinar, é que a gente tá vivendo junto, a gente sabe”. Depois, decididos a não passar mais verões longe da família, compraram um carro no qual o marido saía para vender artesanato nas praias: Ele nem ia muito longe, porque vendia tudo e ainda voltava com muitas encomendas: “quanto mais serviço eu tinha, mais eu queria. Eu nunca fui gananciosa por dinheiro, mas por serviço sim”. Mariquinha é otimista: ainda tem vontade de trabalhar e acha que se colocasse nas lojas ainda vendia: “eu tenho cisma que vai voltar o artesanato”.
Malvina Silveira Monteiro, a Vina, aprendeu a trançar com a madrasta. Sobre o chapéu, ela conta: “Todo mundo fazia isso antigamente, sustentavam os filhos com chapéu”. Os 13 irmãos sabiam trançar, inclusive os meninos: “Quando chovia, enchia, os homens tudo vinham com trança e palha e faziam”. De manhã, ela e a irmã levavam os brotos de palha pra roça para enterrar na areia úmida enquanto trabalhavam, porque ficava mais macio, e assim podiam estalar na hora do descanso do meio-dia, para trançar à noite. “Minhas filhinhas, vão dormir, vocês estão cansadas, trabalharam o dia todo e agora tão aí trançando”, dizia a dindinha. Ela e irmã respondiam que precisavam trançar para comprar vestido para ir ao baile. Na família delas, a trança era um complemento da renda. Vina lembra que ela e as irmãs faziam serão com luz de pixirica pra trançar, muitas vezes, até a meia noite: “A gente levava pinhão, cozinhava pinhão, tomava café, que tempo bom”. Contavam histórias dos namorados, dos bailes, jogavam jogo do nó, passavam fazendo brincadeiras... “Tenho saudades daquele tempo...”, diz ela. Hoje em dia, não se reúnem mais, cada uma faz o seu trabalho em casa.
Vina tem osteoporose, mas graças às caminhadas e ao artesanato, se sente muito bem: “é uma terapia, ótima, ótima”. Ela gosta mais de trançar do que de costurar o chapéu: “Se eu pudesse trançar, trançava toda a vida”. Até hoje ela recebe encomendas, embora o artesanato tenha diminuído muito ao longo dos anos, assim como o butiazal, ou faxina: “Antigamente, cada um tirava na sua propriedade, todo mundo tinha butiazeiro, e quem não tinha ganhava de alguém."
Marli dos Santos Melo fez de tudo um pouco, mas seu primeiro trabalho, ainda criança, foi a trança de chapéu. O pai, que trabalhava em engenho de clina (palha usada em colchões), cortava a palha, a mãe secava e estalava e os filhos trançavam, depois da escola. Sua mãe, Maria Alexandre da Silva, trabalhou nisso até ficar bem velhinha. A especialidade de Marli é fazer a trança e costurar o chapéu. Gostava de juntar a turma pra trançar junto: “O tempo passava e a gente nem via, sentava e conversava, era a coisa mais boa”. Lembra- se até hoje da vizinha Carlota, que fazia o serão com ela. Mesmo depois de casadas as mulheres ainda se reuniam às vezes, quando os homens iam à praia de noite colocar redes de pesca.
Quando pequena, o pai dela quem buscava as palhas no butiazal. Depois, acompanhava o marido, João, na roça e ela mesma tirava. Para ela, butiazeiro bom “é o que tá bem forrado, bem bonito”. Na hora de cortar as folhas, Marli não tira as bem de baixo porque são mais velhas, que quebram muito na hora de trançar. Também não tira o broto de cima, pra não enfraquecer o butiá: “Se cortar o broto termina ele todo morrendo”. As folhas que são colhidas são as do meio, e ela deixa 2 ou 3 folhas ao redor do broto pra protegê-lo. Segundo ela, não existe época do ano para a colheita, desde que não seja tempo de chuva. No verão também não cortam, porque é quando floresce e fica com butiá. Marli se preocupa com o artesanato, que considera estar bem parado: “Hoje eu penso assim, se tivesse alguém que comprasse era bom até pra proteger o faxinal”. Mas ela ainda tem esperanças: “Eu acho que pra voltar a fazer chapéu, a gente teria que ter um curso pra aprender a trabalhar melhor o chapéu, pra aprender a fazer outras coisas."
Almeri Bernardes Monteiro, a Dona Nini, aprendeu a trançar com a mãe, aos 5 anos de idade. As avós, materna e paterna, também faziam artesanato com palha, e Dona Nini ensinou a três dos quatro filhos. Segundo ela, a melhor época para cortar palha é a primavera, e ela mesma gosta de se encarregar de todas as etapas da produção: “É gostoso a gente mesmo fazer”. Para a colheita, “uma boa escolha é escolher a palha que tu olha, porque a gente que tá acostumada a trançar olha e diz 'aquele butiazeiro é bom' e tem que tocar nela, se for macia é boa". Conta que, quando pequena, a mãe ensinou o “jogo do nó” e quem dos irmãos trançasse primeiro podia sair pra brincar.
Depois, aos 13, 14 anos, se encontrava para trançar com as amigas: “A gente se reunia, passava noites inteirinhas, até de madrugada trançando. Era uma luzinha de querosene ou uma vela acesa”. O único homem que ia era o seu irmão mais velho, que era "muito trançador". Para Dona Nini, a trança proporcionava independência financeira: “Aquilo era meu! Era coisa minha!”. Naquela época, havia troca direta de chapéu por mercadorias, comida, tecido para roupas, e ainda hoje se lembra do primeiro vestido que conseguiu trocar. O enxoval do casamento também comprou todo com chapéu (pagou em várias vezes, fazia ficha no armazém e cada semana levava duas, três dúzias de chapéu e ia diminuindo a dívida) e criou os 4 filhos com trança de chapéu. Trançar é a etapa que mais gosta de fazer, e também costurar, e diz que não pararia, mesmo que não precisasse do dinheiro.
Eracy Joaquina Daitx da Rocha trabalha até hoje fazendo o chapéu de palha de butiá, que aprendeu quando criança com a mãe e a avó: “É um vício, se parar isso aqui não sei o que vou fazer da vida”. Sua avó, com 94 anos ainda trançava! Seus 8 irmãos também aprenderam: “Todo mundo fazia, não tinha veraneio. Era o serviço de todo mundo, de mulher, homem, e de criança, a trança”. Ela manteve viva a tradição: teve 5 filhos e ensinou todos a trançar, assim como dois netos, mas ninguém da família trabalha mais com isso. Eracy costurava até 12 chapéus por dia, e vendia “a troco” nos armazéns, ou seja, trocava pela mercadoria, por alimento. Quando solteira, trocava por roupa: “Fiz 12 dúzias de chapéu para comprar uma blusa para o casamento do meu irmão”. Reunia-se com as amigas e trançavam a noite inteira, ao redor da fogueira. Na época não iam a festas, então contavam histórias, conversavam, cantavam, faziam o joguinho da palha. O chapéu já foi a principal fonte de renda da família, mas durante muitos anos ela parou porque foi terminando o comércio, “não tinha saída”. Hoje faz porque gosta: “É uma terapia! Eu gosto de fazer, é como um vício, como quem toma uma cachaça”. A parte que mais gosta é trançar, e diz que a colheita deve ser feita na lua crescente, assim a palha não enrosca e fica mais bonita. Eracy diz que sempre existiram dois tipos de chapéu, um com a palha mais fina, mais fechado, para usar na roça, e outro mais aberto, que surgiu para o comércio, e que algumas modificações ocorreram com o passar dos anos, como por exemplo, o acabamento dos chapéus.
Lídia Ramos de Oliveira é a mais jovem das artesãs. Ela faz a trança e o chapéu e continua produzindo ainda hoje. Ela aprendeu, ainda criança, com o padrasto, Alcino Juvêncio da Silva. Apesar da diminuição do artesanato nos últimos 10 anos, Lídia voltou a produzir do ano passado pra cá, em função do aumento na procura. Atualmente, ela recolhe os chapéus das outras artesãs e repassa ao seu Pingo, que vem da serra para comprar os chapéus por dúzia. Quando pequena, a mãe vendia os chapéus no mercado do seu Gilberto Porto e Lídia ganhava um dinheirinho. Depois de casada, passou a vender ela mesma e diz que o chapéu “ajudou muita coisa, pra comprar material pras crianças e o uniforme”. Com o passar do tempo, Lídia criou um jeito de aumentar a fôrma com papelão para fazer um chapéu com a copa mais larga.
Aurinha, como é conhecida dona Áurea de Melo Nunes, é uma artesã da trança do chapéu, já que ela só faz essa etapa e vende para outras, que costuram o chapéu e depois revendem. Ela aprendeu a trançar em casa, quando pequena, mas, depois, nenhum de seus três filhos quis aprender, porque “dá muito trabalho”. A trança que aprendeu era de 15 palhas, já que a mãe costurava esse chapéu, mas agora ela faz a de 13 palhas para as encomendas. Nessa época, trançava de dia porque de noite não tinha luz. Mais tarde, à noite, junto com a novela. Lembra com carinho de quando ela, uma amiga e a sobrinha trançavam em cima das laranjeiras e sua mãe dizia: “Só mesmo vocês pra ir lá trançar. Vai dar baixa a trança!”. Ao longo da vida, Aurinha se dedicou a outras atividades, mas passou a produzir recentemente, depois que dona Baltia fez encomendas de trança pra ela. Segundo ela, “dia de chuva é melhor porque dá vontade de trançar, a palha fica bem macia”.
Seu João Salvador de Melo vendia os chapéus com a mãe, Donata, de carro de boi no Campo Bonito. Recebiam em dinheiro ou trocavam por tecido para as roupas da família. Seu pai também participava da atividade: voltava com o carro cheio de palha para a mãe trançar. O pai também estalava a palha, enquanto os filhos faziam o chapéu junto com a mãe. Embora não faça mais chapéus há 43 anos, daquela época, João lembra-se de muitas coisas, inclusive que os dias de vento sul eram muito bons pra secagem da palha, e da fôrma de cedro que utilizavam, diferentemente da mais comum, feita de timbaúva. Antigamente, segundo ele, “da estrada do mar até o camping era cheio de butiazeiro”. A agricultura acontecia no meio. Agora, o artesanato do chapéu “não caiu um terço, caiu de um tudo"
O artesanato com a palha do butiá é um bem cultural que tem desaparecido lentamente. A falta de retorno financeiro da atividade, resultado da carência de valorização da cultura local e do fechamento dos estabelecimentos onde era possível fazer o escambo, além do estado de degradação dos butiazais e da idade avançada de algumas artesãs, são parte dos fatores que colaboram com a situação de risco em que o artesanato se encontra.
É necessário, portanto, buscar a valorização e o registro desse bem cultural tão singular do Litoral Norte do Rio Grande do Sul. O próprio site que você lê nesse momento é uma ação que nasceu a partir desse cenário.
Conheça outras iniciativas que colaboram com a salvaguarda do artesanato com a palha do butiá.
Os Encontros de Troca de Saberes são momentos de compartilhamento de conhecimentos originários da cultura e do ambiente locais. Neles, os portadores desse conhecimento apresentam seus trabalhos e costumes para a comunidade que ali vive.
Eles fazem parte da Ação Cultural Saberes e Fazeres da Mata Atlântica. Na região de Torres, os encontros aconteceram em vivências com grupos de Terno de Reis, em Engenho de Farinha, em Alambiques, em propriedades agroecológicas e, claro, com às artesãs que trabalham com a palha do butiá.
Além de criar condições para a transmissão dos bens culturais, fator fundamental para que ele continue vivo, os Encontros buscam a integração entre os saberes tradicionais e científicos. Destaca-se a inversão da hierarquia do saber que permeia nossa cultura atualmente, na qual o saber científico carrega mais credibilidade do que outras formas de conhecimento.
Esse processo fortalece a auto-estima da comunidade, ajudando-a a reconhecer a importância de suas práticas e manifestações. O estímulo ao compartilhamento dos conhecimentos sobre histórias, lendas e tradições da região, além dos saberes sobre as formas de utilização de produtos da floresta, fortalece a cultura local e, a partir do contato com outros pontos de vista, favorece processos de identificação e cidadania.
O Programa de Conservação e Uso Sustentável dos Butiazais surgiu a partir da experiência de planejamento dos Microcorredores Ecológicos de Itapeva, realizado pelo Instituto Curicaca e pela UFRGS no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. O projeto se iniciou em 2003 e envolveu várias frentes de trabalho, como a produção de conhecimento científico sobre a região e a situação dos butiazais, a educação ambiental, a valorização da cultura e a atuação junto às políticas públicas que envolvem o ecossistema.
Após alguns anos de trabalho, o Plano de Conservação e Uso Sustentável dos Butiazais foi finalizado em 2011 e já está sendo colocado em prática. Ao todo, são 73 ações que envolvem diversas instituições e atuam sobre as ameaças ao ecossistema. A abordagem do trabalho é complexa, abrangendo os diversos fatores que formam a situação crítica de ameaça de extinção da espécie butiá-da-praia (Butia catarinenses), incluindo a cultura a ele associada.
Entre as principais ações do Plano estão a elaboração e publicação da normativa para o manejo sustentável e comercialização do artesanato com folhas e frutos dessa espécie, a elaboração e implantação da estratégia de restauração da área dos MicrocorredoresEcológicos de Itapeva, a inclusão dos remanescentes como zonas especiais para conservação nos planos ambientais dos municípios da região.
Outra legislação que influenciará na salvaguarda do artesanato com a palha do butiá é a normativa que regulamenta o manejo da folha e do fruto do butiazeiro. O documento, produzido pelo Instituto Curicaca e pelo Centro de Ecologia da UFRGS, em parceria com a Divisão de Licenciamento Florestal do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas (DEFAP), trata de aspectos legais e técnicos da retirada da folha e do fruto para comercialização.
Entre os aspectos técnicos, estão a definição do estágio sucessional e o tipo de vegetação da área onde pode ser feito o manejo, a forma como deve ser feita a retirada, os cuidados necessários com outras práticas – como a lida do gado – e as formas de monitoramento desse manejo, que será feita através de indicadores ambientais. O documento também prevê que as pessoas autorizadas a realizar o manejo devem encaminhar um relatório anual simplificado ao DEFAP, informando como foi o manejo naquele ano, quanto foi retirado de folha e fruto e quais foram os cuidados tomados com as plantas e o ecossistema. A normativa faz parte do Plano de Conservação e Uso Sustentável dos Butiazais e é fundamental para a continuidade do artesanato, já que muitas artesãs dizem ter parado de produzir em função da proibição da retirada da folha. Após cinco anos da publicação do documento, a norma deve ser revista a partir da avaliação dos impactos causados, e então pode ser alterada ou suspensa.
Estas sugestões de atividades são uma opção para alunos e professores sensibilizarem-se para com o patrimônio imaterial, em especial o Modo de Fazer Artesanato com a Palha de Butiá na região de Torres. Ocorre no âmbito da Ação Cultural de Criação Saberes e Fazeres, metodologia própria do Instituto Curicaca que apoia-se no respeito a todas as formas de vida, à diversidade cultural e a interconexão entre natureza e cultura, estimulando o diálogo, a sensibilização, a criatividade e a participação crítica e coletiva. Ela ocorre de forma transversal, vinculada aos projetos de desenvolvimento sustentável ou de conservação de espécies e de habitat levados pela ONG.
A educação patrimonial, através da experimentação e do contato direto, busca identificar, reconhecer, apropriar e valorizar nossa herança cultural. Esse processo leva a compreensão do nosso lugar no mundo, inserido em um contexto histórico, social, territorial e temporal. Promove a auto-estima, a identidade e a cidadania de pessoas e de grupos e leva à valorização de nossa cultura brasileira, que é múltipla e plural. O envolvimento dos mais jovens nesta perspectiva provoca neles a reflexão crítica e as atitudes necessárias para que se sintam parte da cultura e responsáveis pela sua salvaguarda e continuidade como processo vivo, dinâmico e enriquecedor.
Outras instituições com atuação mais especializada na salvaguarda do patrimônio cultural também têm recomendações de atividades educativas para serem realizadas pelos professores com seus alunos, e que podem ser outras fontes de inspiração. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN -, por exemplo, tem uma série de publicações para fundamentar e orientar a educação patrimonial produzidas para diferentes níveis de aprofundamento, que podem ser buscadas no site do Instituto.
1. Nós somos nosso maior patrimônio!
Esta atividade busca explorar a ideia de que o patrimônio imaterial é fonte de identificação e reside na capacidade criativa das pessoas e suas formas de expressão. Tem como objetivo a compreensão de que nós somos nosso maior patrimônio, por isso a importância do autoconhecimento e do respeito a si mesmo e ao outro. O quê, o como e o porquê preservamos tem a ver com quem somos e onde estamos. Para isso sugerimos um exercício de autoretrato que busque explorar além dos aspectos físicos, as qualidades, gostos, características psicológicas e curiosidades.
Sugerimos que o professor busque analisar os resultados com o grupo, explore cores e formas da pele, dos cabelos e olhos, as proporções do corpo, esteja atento aos conceitos de autoestima e pertencimento, quebrando os estereótipos de feio ou bonito, de aceitação ou de rejeição, e estimule a prática da alteridade e da empatia. Provoque reflexões: Como eu me vejo? Eu me aceito como sou? Como vejo os outros? Como é a diversidade do nosso grupo? Qual a força desse grupo, suas qualidades e potenciais?
Há muitas possibilidades de exploração desse tema. Utilizando-se de referências de autoretratos de artistas, através da confecção de máscaras de gesso, desenhos em duplas do rosto ou do corpo inteiro, trabalhos de colagens, uso de espelhos, fotografias antigas ou selfs atuais, que podem ser adaptadas para todas as faixas etárias. Explore também as diferenças de técnicas - fotografia, desenho ou pintura - levando os alunos a compreenderem as várias possibilidades de representação da realidade, o uso da imaginação e a liberdade de expressão.
Sugestão de atividade
Material - Preparar para esta aula: pedaços de papel craft de aproximadamente 1,20 m de altura, fitas adesivas, carvão, giz de cera ou lápis 6B, tesoura, materiais diversos para colagem, papéis coloridos de embalagens, fitas, folhas vegetais secas, inclua as fibras naturais como a palha de butiá, revistas e outros materias que sua imaginação mandar. Abrir o espaço no chão da sala afastando mesas e cadeiras.
Condução - Pedir aos alunos para se dividirem em duplas. Estender as folhas de papel craft no chão, duas por dupla. Um dos alunos deverá deitar sobre a folha de papel posicionando-se de forma a ocupar todo o espaço da folha, criar uma pose e ficar imóvel. O outro aluno da dupla acompanhará com o lápis 6B, giz de cera ou carvão, por meio da linha, a silhueta do colega projetada no papel. Repetir esta ação até que todos os alunos tenham sua própria silhueta delimitada pela linha de contorno do colega; Dizer aos alunos que, de posse de suas silhuetas, preencham livremente a parte interna do contorno, representando a si mesmos através da pintura e de outros materiais e colagens, explorando aspectos físicos e psicológicos, gostos e qualidades livremente. Recortar os contornos das figuras e criar em grupo uma instalação com os “autoretratos de corpo inteiro”. Pedir aos alunos que observem e transitem entre os autorretratos e, por fim, desenvolver a apresentação de cada um e o debate sobre o tema.
Desdobramentos
Transforme isto num projeto. Promova uma exposição com os resultados dos trabalhos em sala de aula e gere debates sobre a diversidade e a inclusão, os padrões de beleza e estereótipos da nossa sociedade.
2. Objetos de significado cultural
O objetivo dessa atividade é trabalhar o conceito de patrimônio pessoal, da família, da comunidade a partir da identificação de objetos significativos. Você pode iniciar mostrando, em sala de aula, objetos significativos da escola e o quanto cada objeto tem valores materiais e imateriais associados a ele. Explore que o valor vai muito além da sua materialidade, corresponde a sua importância afetiva, das histórias que carrega, usos e a forma como chegou até aqui. Peça que cada aluno identifique e traga para apresentar aos colegas, um objeto pessoal ou da família que tenha um significado especial e valor afetivo. Aproveite para destacar que a cultura é um conceito amplo, que todos os povos produzem, cada qual a seu modo e que não existem culturas superiores a outras. No Brasil, por exemplo, essa diversidade cultural é a nossa maior riqueza. Da mesma forma, os objetos que chegarem em sala de aula, terão cada um a sua própria riqueza e valor.
Sugestão de atividade
Material - Preparar para essa aula um lençol ou tecido grande e um espaço para colocar os objetos.
Condução - Recolha com cuidado os objetos de todos os alunos e organize em uma mesa. Peça que os alunos visualizem rapidamente todos os objetos e depois coloque um lençol sobre todos eles para criar um clima de mistério. Depois dessa primeira observação, escolha quem vai começar e oriente a turma para fazer-lhe perguntas buscando adivinhar qual é o seu objeto, sem que a pessoa escolhida diga diretamente o que é, como por exemplo: Que lembranças que esse objeto lhe trás? Foi dado por alguém? Para que serve? A quem pertence/ia? Quem o fez? É feito de que materiais? Tem cheiro? Faz barulho?
Quando os alunos advinharem o objeto, aquele que estava respondendo as perguntas retira-o de baixo do lençol de mostra para todos. Assim os objetos com significado pessoal serão conhecidos de forma divertida e associada a sua importância. Depois dessa etapa, cada aluno pode fazer um registro do objeto que mais lhe interessou com fotografia ou desenho, além de sua descrição.
Desdobramentos
Transforme isso num projeto. A partir dessas descobertas pode ser incentivada a pesquisa com os familiares, entrevistas e a identificação de histórias orais relacionadas aos objetos trazidos. Poderá também ser montada uma exposição ou museu dos objetos com seus registros. Pode-se ainda convidar algum familiar para falar sobre o objeto e seu significado nas outras gerações.
Entre os bens levantados pelos alunos podem surgir objetos feitos com a palha de butiá e outras fibras, aproveite a oportunidade para destacar a importância desse bem e para conhecer melhor sobre ele através do site www.artesdobutia.com.br.
3. Quem faz arte da palha de butiá?
Esta proposta permite compreender como o patrimônio imaterial está diretamente vinculado aos seus detentores, valorizá-los e entender como se dá a transmissão oral e a sua continuidade de geração em geração. Aborda também a importância do registro de informações nos tempos atuais para que estas não se percam, o que estimula a pesquisa sobre saberes e fazeres locais. A partir das atividades dos objetos significativos você pode explorar a importância do artesanato com a palha de butiá do município de Torres e ampliar a abordagem para a noção de patrimônio coletivo. Explore com os alunos a aba “Portadores e Produtos” no site www.artesdobutia.com.br para conhecer como um bem de natureza imaterial está relacionado àqueles que detem esse conhecimento. São pessoas da comunidade, grupos e coletividades que possuem relação direta com a dinâmica de produção e reprodução de determinado bem cultural imaterial. Para elas, o bem cultural expressa um modo de vida, uma visão de mundo, valores e afetos, ou seja, constitui memória e identidade. Os detentores possuem conhecimentos sobre esses bens culturais e são os principais responsáveis pela sua transmissão para as próximas gerações, pela continuidade da prática e dos valores simbólicos a ela associados.
Sugestão de Atividade
Material - Papel e caneta ou gravação no celular.
Condução - Depois de conhecer as pessoas que estão vinculadas ao modo de fazer artesanato com a palha de butiá através do site, peça que os alunos perguntem em casa se algum familiar ou morador da vizinhança pratica ou praticava este tipo de artesanato. Identifique se essa pessoa está viva ou já faleceu, seu nome e onde vivia, qual o vínculo do aluno com ela (avó, bisavó, vizinha) e uma forrma de contato com ela. Se possível peça para os alunos fazerem uma entrevista com esta pessoa, perguntando: Com quem aprendeu a fazer o artesanato com a palha de butiá? O que produz? Como é feito? Desde quando essa prática está na família? Ensinou para alguém? Quem? O que mais gosta nesse fazer e por que? Que dificuldades encontra hoje com sua produção?
Plano B: Para os alunos que não encontrarem nos seus vínculos nenhum detentor do artesanato com a palha de butiá, pode ser feito o mesmo com outra manifestação cultural que esteja presente nos seus parentes ou conhecidos, como por exemplo, alguma comida, brincadeiras antigas, cantigas, dentre outras. As perguntas podem ser adaptadas para cada situação. Por exemplo: Com quem aprendeu a fazer a pamonha? Como é preparada? Existem variações culinárias? Desde quando essa culinária está na família? Ensinou para alguém? Quem? Existe alguma parte de todo o preparo da qual gosta mais?
Desdobramentos
Transforme isso num projeto. Proponha para a turma de alunos construir uma rede de relações entre as pessoas que aparecem nas entrevistas, a partir do nome de quem foi entrevistado, com quem aprendeu e para quem ensinou. Inclua os alunos na rede. Explore se aparecem pessoas em comum, ou seja, que foram identicadas nas entrevistas de diferentes alunos. Expresse essa rede em um grande painel sobre papel pardo ou no quadro escolar ou com o apoio de um programa gratuito para elaborar mapas mentais. Organize um seminário para apresentação das entrevistas na sala de aula. Pode usar cartazes com imagens e o destaque de algum relato ou frase que chamou atenção, ou fazer de forma oral, dentre outras. Também pode ser organizado um salão ou exposição para ampliar a difusão da experiência para toda a escola e os familiares.
4. Vamos aprender a trançar?
Essa atividade permite a apropriação pelos alunos de uma etapa importante do processo de confecção das peças artesanais com a palha de butiá, que é o entrelaçamento das fibras, o trançar. A trança é a estrutura básica para a confecção do chapéu e das bolsas e pode ser feita com 9, 13, 17 palhas conforme a vontade do artesão e os objetivos do trabalho. O ato de trançar ocorre em várias culturas e pode ser realizado com vários tipos de fibras naturais (veja a aba "Outras plantas" no site Artes do Butiá). Internamente, ele organiza o pensamento e as emoções, desenvolve a concentração, a coordenação motora e fortalece a vontade, de modo que o resultado de uma trança está sempre impregnado das mãos de quem a trançou.
Sugestão de Atividade
Materiais - Adquira de uma aretesã alguns feixes de palha já preparadas para trançar. Elas podem ser localizadas através da aba "Comprar artesanato" no site Artes do Butiá.
Condução - Inicie explorando com os alunos o item A da aba “Processo” no site Artes do Butiá e conheça a complexidade do trabalho em todas as suas etapas, os conhecimentos, a dedicação e o tempo necessários a cada parte do processo. Detenha-se na "confecção da trança", passo 6, e realize uma oficina de trançar. Quanto maior o número de palhas a serem trançadas, mais difícil, inicie com 3 palhas e vá aumentando o número conforme a habilidade se desenvolva podendo chegar até 9 palhas, a quantidade mais comum. Para ajudar, veja o esquema abaixo, ou se tiver oportunidade, convide uma das detentoras apresentadas no ítem B da aba "Processo" do site Artes do Butiá ou uma pessoa que tenha surgido durante a realização da atividade 3, acima.
Plano B - Caso não seja possível proporcionar a experiência com a palha de butiá, utilize o material disponível, tiras de tecido, fios de lã, cordões.
Passo a passo: 1. Faça um feixe com as nove palhas; 2. Separe quatro palhas para um lado e cinco para o outro e inicie o movimento pelo lado que tem mais palhas; 3. Pegue a palha mais externa e passe por cima das duas ao lado e por baixo das outras duas e ela agora passou a ser a quinta palha do outro lado; 4. Então, repita o movimento de trançar começando novamente com a palha mais externa do outro lado; 5. Segue sempre começando do lado que tem cinco palhas.
Desdobramentos
O desdobramento não precisa necessariamento ser na confecção de uma peça artesanal, mas pode ser parte de um projeto de artes mais livre com a criatividade própria de cada aluno. Você pode propor um trabalho artístico que inclua as tranças confeccionadas junto com outros materiais e suportes diversos, tipo madeira, jornal, papéis coloridos, montando composições abstratas ou figurativas. Explore os limites entre a pintura e a escultura. Dentro do tema, você pode buscar a referência de artistas do cenário brasileiro, como Carlos Scliar, Piza, Guignard, Jorge de Lima, Athos Bulcão, Hélio Oiticica e Lygia Clark. Pode também discutir como a cultura é dinâmica e os processos se transformam, mas mesmo assim é importante referenciar suas inspirações e seu vínculo com a história local, estadual e brasileira.
5. Rede de relações e interdependência com o butiá
Algumas espécies de plantas dependem da ajuda de animais dispersores para se reproduzirem ou ampliarem a sua área de ocupação no território e essa fauna depende dos frutos para se alimentar. Existe também a interdependência sociocultural entre a natureza e a cultura. As artesãs dependem dos butiazais para coletarem as folhas, manterem viva sua cultura e terem uma renda complementar. Outros agricultores que coletam os frutos, produzem sucos e doces, dependem disso para um ganho extra. Já os butiazeiros dependem também dessas pessoas para serem valorizados e protegidos contra o desmatamento.
Sugestão de Atividade
Materiais - Cartolina ou papel mais grosso, lápis, hidrocor e giz de cera, e barbante a confecção para confecção de crachás.
Condução - Organize grupos de até 6 alunos. Em cada grupo, uma pessoa será o butiazeiro e as demais serão um animal ou pessoa de cada uma das cinco categorias abaixo. Peça que cada um faça um crachá com o desenho do seu personagem. Apresente um modelo, por exemplo, em meia folha de papel A4, mostrando como perfurar e passar o barbante do tamanho certo. No encontro seguinte os grupos devem formar rodas tendo o butiazeiro ao centro. É ele que vai iniciar a troca de perguntas. A cada resposta certa, o personagem dá um passo a frente em direção ao butiazeiro.
1ª Rodada
- Butiazeiro: Aponta para qualquer um na roda, por exemplo, a cutia.
- Cutia afirma: Eu dependo de você!
- Butiazeiro pergunta: Por quê?
- Cutia responde: Porque me alimento dos seus frutos! (se respondeu certo dá um passo pra frente, se errar permanece no lugar)
2ª Rodada
- Butiazeiro: Aponta novamente para qualquer um na roda, por exemplo, a cutia
- Cutia afirma agora: Você depende de mim!
- Butiazeiro pergunta: Por quê?
- Cutia: Porque eu espalho as sementes quando como seus frutos! (novamente avança um passo se acertou ou permanece no lugar se errou)
A brincadeira termina após a 2ª rodada de perguntas e quem tiver ficado mais próximo do butiazeiro compreendeu bem as interependências. Na época de frutificação dos butiás, pode ser animada com a inclusão desse alimento delicioso na brincadeira. Tipo, o butiazeiro fica com uma cestinha de frutos junto a si e quem tiver dado dois passos, ganha dois frutos para se deliciar, quem tiver dado um ou nenhum passo, ganha um fruto. Se isso acontecer, as sementes ainda podem ser plantadas no pátio da escola.
Relações de interdependência:
- Animais que se alimentam dos frutos e que dispersam as sementes - tucano, cutia, preá, papagaio, mão-pelada, cervo-do-mato, sabiá-laranjeira, macaco-prego, gambá, graxaim, saracura, jacu, gralha-azul, lagarto-teiu, paca, morcegos frugívoros, formiga
- Animais que se alimentam do nectar e pólem e que polinizam as flores - abelha jataí, abelha mirim, mariposas, borboletas, morcegos nectarífero, cambacica, beija-flor-de-fronte-violeta
- Animais que se alimentam de insetos sobre e sob a casca e que fazem a limpeza da planta - pica-pau, corruíra, tamanduá-mirim, alma-de-gato)
- Pessoas que usam a palha pra fazerem produtos e que valorizam e protegem os butiazeiros - artesãs
- Pessoas que usam o fruto fazer e vender suco, sorvete, geleia e que valorizam e protegem os butiazeiros - agricultor familiar
Desdobramentos
Há uma relação bem complexa com os tipos de dispersão feitas pelos animais que se alimentam dos frutos. Esse conteúdo pode ser explorado de forma complementar. Veja a seguir os tipos de dispersores:
- Derrubadores: Alimentam-se de uma parte da polpa dos frutos ainda no cacho derrubando-os no chão (periquitos, papagaios, cambacicas, sanhaços, saíras, tiés, sabiás e gralhas).
- Regurgitadores: Engolem o fruto inteiro e regurgitam as sementes (tucanos e veados).
- Mastigadores: Mastigam a polpa do fruto e liberam as sementes (morcegos e cuícas).
- Engolidores: Engolem o fruto inteiro e eliminam as sementes pelas fezes (macacos, jacus, lagartos, graxains e mãos-peladas).
- Estocadores: Carregam os frutos para outros lugares onde possam comê-los com tranqüilidade ou armazená-los (cutias, pacas e ratinhos-do-mato).
Essa aba com "atividades para educação patrimonial" dentro do site Artes do Butiá, criado em 2013 pelo Instituto Curicaca, foi desenvolvida em 2021 com apoio do Edital Criação e Formação Diversidade das Culturas realizado com recursos da Lei Aldir Blanc nº 14.017/20.
voltar topoAlém do butiá, algumas outras plantas nativas do Litoral Norte do Rio Grande do Sul oferecem a possibilidade do trabalho artesanal. Fibras como a do junco, do cipó-imbé, do cipó-de-são-joão, do capim santa fé, da taboa e da taquareira são utilizadas pelas mesmas artesãs que trabalham com o butiá, que as compõem de forma mesclada ou separada.
O processo de colheita, secagem e preparo das fibras é particular de cada uma das plantas, assim como os produtos criados a partir delas. Por ter grande envolvimento com a conservação dos butiazais, o foco desse trabalho é no artesanato com a palha do butiá, mas a característica de bem cultural e a transmissão do conhecimento se aplica a todos os materiais, já que os saberes eram passados de geração para geração e têm grande importância na formação da identidade local, associada à biodiversidade nativa da região.
O cipó-imbé é uma planta hemi-epífita, característica de áreas de florestas costeiras em estágios sucessionais avançados. Também pode ser encontrado em regiões de solo arenoso, restinga arbustiva e restinga alta, como é o caso de Torres. Pode iniciar seu crescimento no chão e depois ocupar uma planta suporte desligando-se do solo, ou no caminho inverso, nascer sobre uma planta para mais tarde suas raízes de nutrição alcançarem a terra. Devido à sua flexibilidade, resistência e estética final, seu principal uso é para a produção artesanal, uma tradição que atravessa gerações, como a da família da Vó Calmira da Rosa e do Manoel da Rosa. Na região do Litoral Norte, os usos são ainda pouco estudados. Noutras regiões, como em Garuva (SC), onde existem cerca de 500 cipozeiros, e em Guaratuba (PR), onde, na localidade de São Joãozinho, cerca de 30 famílias dependem da exploração da planta, são respeitados critérios de sustentabilidade acordados entre os extrativistas. A situação da conservação do cipó-imbé não é muito conhecida, mas os relatos de Garuva e Guaratuba indicam a redução da quantidade encontrada na mata. A parte do vegetal de onde saem as folhas e raízes que se ligam ao solo, conhecida como “mãezera”, não é retirada, senão o cipó acaba. Pelo corte com faca ou pela torção do fio, conhecida como “coxado”, são retiradas as raízes maduras, deixando as mais jovens se desenvolverem. O cipó pode ser utilizado inteiro e com casca na confecção de cestos e balaios fortes e com capacidade para transportar grandes volumes e pesos, ou descascados e subdivididos em filetes mais finos para a confecção de samburás, cestinhos e caxepos.
O junco ou tiririca-agulha ocupa locais com solos saturados de água, como banhados ou margens de rios e lagoas. Sua distribuição vai desde o sul dos Estados Unidos até a Patagônia. No Rio Grande do Sul, ele é encontrado na beira das lagoas da Planície Costeira. É uma espécie pioneira e altamente produtiva. O junco tem grande influência na contenção de margens, produção de biomassa, regulação hídrica, abrigo e refúgio contra predadores para a fauna, além de suas sementes servirem de alimento para as aves. O principal uso da planta é na produção de artesanato, que conta com grande diversidade de artigos, como esteiras de praia, bolsas, jogos-de-mesa e até forros de teto. A coleta do caule é feita preferencialmente no verão, quando a profundidade das lagoas é menor e a espécie encontra-se no período pós-frutificação e dispersão das sementes, iniciando o processo de envelhecimento do caule. O instrumento utilizado é o facão, com o qual se cortam os caules aéreos, evitando a morte do indivíduo. A facilidade de secagem também contribui para que a fibra retirada no verão seja considerada de melhor qualidade. Além disso, a espécie pode ser utilizada no tratamento de efluentes de atividades rurais.
A taboa é uma planta aquática ou hidrófita característica de brejos, manguezais e várzeas. Por ser altamente adaptável e sua semente se espalhar com facilidade pelo vento, a espécie está espalhada por muitos lugares do mundo, sendo considerada, inclusive, uma praga em alguns deles. Também conhecida como bucha ou capim-de-esteira, a planta pode chegar a dois metros de altura. Um dos seus principais usos é para a confecção de produtos artesanais, como bolsas, cestas, papel, pastas e envelopes. A taquara também é utilizada como depuradora de água poluídas, ajudando na absorção de metais pesados.
Distribuído por toda a costa atlântica, do Piauí ao Rio Grande do Sul, além do sul do Paraguai e do nordeste da Argentina, o cipó-de-são-joão é uma planta de clima subtropical e temperado. Ocupando altitudes geralmente superiores a setenta e inferiores a mil metros, a planta se desenvolve em beiras de matas, barrancos, beiras de estradas e cercas de pastagens, preferencialmente em locais de solo argiloso e com constante insolação. São cultivadas como plantas ornamentais, com flores numerosas e densas que variam entre amarelas e laranjas. Também podem ser utilizadas medicinalmente para o tratamento de manchas brancas no corpo, como em casos de vitiligo. A partir do seu caule são produzidos artigos artesanais, como cestos e balaios, e medicinas naturais que agem como tônico e antidiarreico. Sua floração tem o diferencial de se desenvolver no inverno, além de ser bastante exuberante, o que atrai muitos insetos e beija-flores que a polinizam.
RAÍZES DO CIPÓ-IMBÉ
(Phylodendron corcovadense)
TAQUAREIRA
(Merostachys speciosa)
TABOA
(Typha dominiensis)
CIPÓ-DE-SÃO-JOÃO
(Pyrostegia venusta)
A relação entre o artesanato e os butiazais é marcada pela interdependência. Assim como o artesanato não pode ser produzido sem a existência do butiazeiro, a palmeira – e todo o ambiente que se forma ao seu redor – fica muito mais vulnerável a partir do momento em que a arte produzida com sua palha não é valorizada.
O artesanato existe na comunidade de Torres há mais de um século, se estabelecendo como parte integrante dos costumes e dos recursos financeiros da população local. Essencial na constituição da identidade de inúmeras famílias, o longo processo artesanal mantém vivo o vínculo das pessoas com as espécies nativas da região, fazendo com que desde cedo elas aprendam a identificar, fazer o manejo, secar e, por fim, trabalhar as fibras para dar origem às artes como as conhecemos.
Em paralelo a isso, a permanência dessa cultura tem papel importantíssimo na conservação dos poucos remanescentes de butiazais que ainda existem na área. A espécie, assim como o ecossistema a ela associado, é considerada criticamente em perigo. A principal ameaça é a alteração da paisagem, causada pela mudança nos usos do território. Lavouras, pastagens, sítios rurais e plantações de eucaliptos, em ordem decrescente, são as principais mudanças identificadas. A substituição da atividade econômica, priorizando plantas que dão maior retorno financeiro em detrimentos das nativas, gera mudanças no embrião da constituição da comunidade, que passa a formar indivíduos desvinculados das culturas originárias da sua região.
As artes criadas a partir da palha do butiá surgiram na região de Torres com fins utilitários, tendo como influência os conhecimentos indígenas e açorianos. No século XIX, o butiazal era a fonte de palha para o enchimento de estofados e colchões, atividade com grande significado econômico na região, que era exportadora para o centro do país. Na época, os chapéus eram feitos para serem usados pelos que trabalhavam na roça e na faxina, termo usado para o evento de colheita das folhas.
Aos poucos, o artesanato passou a ser fundamentaal no sustento de várias famílias. Em algum momento no século XX, o ofício passou a fazer parte da vida econômica delas como um complemento para o trabalho na roça, a aposentadoria ou para empregos periurbanos contínuos ou temporários. O chapéu é o principal produto e, além de fornecer abrigo do sol aos trabalhadores rurais, ele abastece também as lojas turísticas do Centro da cidade.
As cerca de 30 famílias que fazem parte da propagação desse bem cultural residem principalmente nas localidades de São Brás, Faxinal, Itapeva, Campo Bonito e Águas Claras, áreas rurais e periurbanas do município. A atividade acontece exclusivamente no âmbito familiar e envolve várias gerações das famílias, que têm renda de dois a três salários mínimos.
Apesar dos homens eventualmente participarem de alguma fase da produção artesanal, como a retirada das folhas ou mesmo a confecção da trança, o trabalho se concretiza de fato nas mãos das mulheres, a grande maioria com mais de 60 anos.
Um dos principais motivos que levaram muitas das artesãs a pararem de produzir o artesanato foi a proibição de retirada da folha. A normativa que regulamenta a retirada, indicando como, onde e quando fazer o manejo, além de outras instruções, está sendo construída pelo Instituto Curicaca e pelo Departamento de Florestas e Áreas Protegidas como parte do Plano de Conservação e Uso Sustentável dos Butiazais e deve ser finalizada e publicada ainda em 2014.
O Butia catarinensis é uma palmeira de pequeno a médio porte, característica das restingas litorâneas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Conhecida popularmente como butiá-da-praia, butiazeiro, butiá-azedo ou simplesmente butiá, a espécie se diferencia do butiá encontrado no Sul do estado, o Butia odorata, por seu porte e número de folhas.
A planta tem um importante papel ecológico na restinga da Mata Atlântica, sendo considerada uma espécie-chave no local. Seus frutos e sementes ficam disponíveis por até sete meses e fornecem recurso alimentar para a fauna associada, que ajuda na propagação da palmeira. É consumido e dispersado por pássaros grandes e pequenos, lagartos, como o teiú, e mamíferos, incluindo pequenos roedores. As flores são muito atrativas aos insetos polinizadores e produtores de mel, sendo uma importante fonte de néctar e pólen na sua área de ocorrência. Como a figueira, no ambiente que ocupa, o butiá oferece suporte para inúmeras espécies de epífitas – bromélias, orquídeas –, que por sua vez são ocupadas por insetos, anfíbios e pequenas aves e répteis, oportunizando um pequeno ecossistema.
Habitat
É uma espécie pioneira ou que ocupa restingas da Mata Atlântica. Isto é, a palmeira está entre as espécies que primeiro se estabelecem na formação do ecossistema, podendo, porém, permanecer por todos os estágios sucessionais, quando compartilha o ambiente com outras ervas, arbustos ou pequenas árvores, que formam os butiazais ou butiatubas. São plantas heliófilas – que precisam de muita luz pra se desenvolver – e xerófilas – que se desenvolvem em meios secos, com pouca umidade.
Usos e potencialidades
As folhas do butiazeiro têm um a dois metros de comprimento, são resistentes e podem ser utilizadas na produção do artesanato e de clina, uma forma de estofamento usada principalmente no preenchimento de colchões. Os frutos podem ser consumidos in natura ou podem ser utilizados para a produção de licores e cachaças. Quando despolpado, o butiá pode ser usado para a produção de sucos e sorvetes. O fruto tem grande concentração de fibras, pró-vitamina A, vitamina C e potássio, sendo um importante complemento alimentar das populações locais. Os usos gastronômicos têm se ampliado imensamente nos últimos tempos, por resgate ou inovação nas receitas.
Cultivo e propagaçãoAs sementes levam de três a seis meses para germinar, dependendo das temperaturas a que estão submetidas, e apresentam melhor taxa de germinação se semeadas logo após o despolpamento. Devem ser plantadas a pleno sol, com espaçamento de 4m x 4m, e se desenvolvem em qualquer tipo de solo, embora prefiram os arenosos. Entretanto, apresentam vários problemas para a germinação, o que dificulta a regeneração natural e a produção de mudas. É uma planta bastante rústica, resistindo a ventos fortes, estiagens e salinidade, e pode viver de 180 a 240 anos. Sua exuberância, quando plantada isoladamente ou em pequenos agrupamentos de jardim, chama bastante atenção e valoriza sua aplicação no paisagismo.
O ecossistema onde o butiá-da-praia (Butia catarinensis) é uma espécie presente e dominante é chamado de butiazal. Esse ambiente é caracterizado pelo solo arenoso, onde se desenvolve desde uma vegetação baixa – herbácea e arbustiva – até alcançar o porte arbóreo, quando o butiazeiro fica mais raro. É marcado pela presença de ervas com flores vistosas e folhas cheirosas, caules ou folhas espinhosos, arbustos e árvores que são características da Mata Atlântica. Também é conhecido como restinga ou savana, resistindo e se desenvolvendo sob insolação intensa, estiagens, salinidade e fortes ventos. O butiazeiro é uma espécie pioneira do ecossistema e se propaga mais facilmente em áreas abertas. Hoje em dia, as inúmeras interferências humanas dificultam a identificação do aspecto original desse ambiente, mas segue a tendência de ficar mais fechado em seu processo evolutivo, onde a mata de restinga passa a sombrear a palmeira, o que, em algum momento, causaria sua morte pela pouca luz solar e competição por nutrientes.
Os butiazais já foram a paisagem predominante na região de Torres. Entretanto, conforme estudos realizados pelo Instituto Curicaca e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2008, restavam apenas 112,3 hectares de butiazais, divididos em 53 remanescentes, dos quais 34 ficam na porção norte da área estudada, próxima a Torres, e 19 ficam na porção sul, próxima a Osório. Uma grande perda desse ambiente ocorreu nas últimas três décadas, causada pelo desmatamento para agricultura e pecuária e para a implantação de condomínios para a expansão urbana.
voltar topoO artesanato com a palha do butiá é um bem cultural que tem desaparecido lentamente. A falta de retorno financeiro da atividade, resultado da carência de valorização da cultura local e do fechamento dos estabelecimentos onde era possível fazer o escambo, além do estado de degradação dos butiazais e da idade avançada de algumas artesãs, são parte dos fatores que colaboram com a situação de risco em que o artesanato se encontra.
É necessário, portanto, buscar a valorização e o registro desse bem cultural tão singular do Litoral Norte do Rio Grande do Sul. O próprio site que você lê nesse momento é uma ação que nasceu a partir desse cenário.
Conheça outras iniciativas que colaboram com a salvaguarda do artesanato com a palha do butiá.
Os Encontros de Troca de Saberes são momentos de compartilhamento de conhecimentos originários da cultura e do ambiente locais. Neles, os portadores desse conhecimento apresentam seus trabalhos e costumes para a comunidade que ali vive.
Eles fazem parte da Ação Cultural Saberes e Fazeres da Mata Atlântica. Na região de Torres, os encontros aconteceram em vivências com grupos de Terno de Reis, em Engenho de Farinha, em Alambiques, em propriedades agroecológicas e, claro, com às artesãs que trabalham com a palha do butiá.
Além de criar condições para a transmissão dos bens culturais, fator fundamental para que ele continue vivo, os Encontros buscam a integração entre os saberes tradicionais e científicos. Destaca-se a inversão da hierarquia do saber que permeia nossa cultura atualmente, na qual o saber científico carrega mais credibilidade do que outras formas de conhecimento.
Esse processo fortalece a auto-estima da comunidade, ajudando-a a reconhecer a importância de suas práticas e manifestações. O estímulo ao compartilhamento dos conhecimentos sobre histórias, lendas e tradições da região, além dos saberes sobre as formas de utilização de produtos da floresta, fortalece a cultura local e, a partir do contato com outros pontos de vista, favorece processos de identificação e cidadania.
O Programa de Conservação e Uso Sustentável dos Butiazais surgiu a partir da experiência de planejamento dos Microcorredores Ecológicos de Itapeva, realizado pelo Instituto Curicaca e pela UFRGS no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. O projeto se iniciou em 2003 e envolveu várias frentes de trabalho, como a produção de conhecimento científico sobre a região e a situação dos butiazais, a educação ambiental, a valorização da cultura e a atuação junto às políticas públicas que envolvem o ecossistema.
Após alguns anos de trabalho, o Plano de Conservação e Uso Sustentável dos Butiazais foi finalizado em 2011 e já está sendo colocado em prática. Ao todo, são 73 ações que envolvem diversas instituições e atuam sobre as ameaças ao ecossistema. A abordagem do trabalho é complexa, abrangendo os diversos fatores que formam a situação crítica de ameaça de extinção da espécie butiá-da-praia (Butia catarinenses), incluindo a cultura a ele associada.
Entre as principais ações do Plano estão a elaboração e publicação da normativa para o manejo sustentável e comercialização do artesanato com folhas e frutos dessa espécie, a elaboração e implantação da estratégia de restauração da área dos MicrocorredoresEcológicos de Itapeva, a inclusão dos remanescentes como zonas especiais para conservação nos planos ambientais dos municípios da região.
Outra legislação que influenciará na salvaguarda do artesanato com a palha do butiá é a normativa que regulamenta o manejo da folha e do fruto do butiazeiro. O documento, produzido pelo Instituto Curicaca e pelo Centro de Ecologia da UFRGS, em parceria com a Divisão de Licenciamento Florestal do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas (DEFAP), trata de aspectos legais e técnicos da retirada da folha e do fruto para comercialização.
Entre os aspectos técnicos, estão a definição do estágio sucessional e o tipo de vegetação da área onde pode ser feito o manejo, a forma como deve ser feita a retirada, os cuidados necessários com outras práticas – como a lida do gado – e as formas de monitoramento desse manejo, que será feita através de indicadores ambientais. O documento também prevê que as pessoas autorizadas a realizar o manejo devem encaminhar um relatório anual simplificado ao DEFAP, informando como foi o manejo naquele ano, quanto foi retirado de folha e fruto e quais foram os cuidados tomados com as plantas e o ecossistema. A normativa faz parte do Plano de Conservação e Uso Sustentável dos Butiazais e é fundamental para a continuidade do artesanato, já que muitas artesãs dizem ter parado de produzir em função da proibição da retirada da folha. Após cinco anos da publicação do documento, a norma deve ser revista a partir da avaliação dos impactos causados, e então pode ser alterada ou suspensa.
Estas sugestões de atividades são uma opção para alunos e professores sensibilizarem-se para com o patrimônio imaterial, em especial o Modo de Fazer Artesanato com a Palha de Butiá na região de Torres. Ocorre no âmbito da Ação Cultural de Criação Saberes e Fazeres, metodologia própria do Instituto Curicaca que apoia-se no respeito a todas as formas de vida, à diversidade cultural e a interconexão entre natureza e cultura, estimulando o diálogo, a sensibilização, a criatividade e a participação crítica e coletiva. Ela ocorre de forma transversal, vinculada aos projetos de desenvolvimento sustentável ou de conservação de espécies e de habitat levados pela ONG.
A educação patrimonial, através da experimentação e do contato direto, busca identificar, reconhecer, apropriar e valorizar nossa herança cultural. Esse processo leva a compreensão do nosso lugar no mundo, inserido em um contexto histórico, social, territorial e temporal. Promove a auto-estima, a identidade e a cidadania de pessoas e de grupos e leva à valorização de nossa cultura brasileira, que é múltipla e plural. O envolvimento dos mais jovens nesta perspectiva provoca neles a reflexão crítica e as atitudes necessárias para que se sintam parte da cultura e responsáveis pela sua salvaguarda e continuidade como processo vivo, dinâmico e enriquecedor.
Outras instituições com atuação mais especializada na salvaguarda do patrimônio cultural também têm recomendações de atividades educativas para serem realizadas pelos professores com seus alunos, e que podem ser outras fontes de inspiração. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN -, por exemplo, tem uma série de publicações para fundamentar e orientar a educação patrimonial produzidas para diferentes níveis de aprofundamento, que podem ser buscadas no site do Instituto.
1. Nós somos nosso maior patrimônio!
Esta atividade busca explorar a ideia de que o patrimônio imaterial é fonte de identificação e reside na capacidade criativa das pessoas e suas formas de expressão. Tem como objetivo a compreensão de que nós somos nosso maior patrimônio, por isso a importância do autoconhecimento e do respeito a si mesmo e ao outro. O quê, o como e o porquê preservamos tem a ver com quem somos e onde estamos. Para isso sugerimos um exercício de autoretrato que busque explorar além dos aspectos físicos, as qualidades, gostos, características psicológicas e curiosidades.
Sugerimos que o professor busque analisar os resultados com o grupo, explore cores e formas da pele, dos cabelos e olhos, as proporções do corpo, esteja atento aos conceitos de autoestima e pertencimento, quebrando os estereótipos de feio ou bonito, de aceitação ou de rejeição, e estimule a prática da alteridade e da empatia. Provoque reflexões: Como eu me vejo? Eu me aceito como sou? Como vejo os outros? Como é a diversidade do nosso grupo? Qual a força desse grupo, suas qualidades e potenciais?
Há muitas possibilidades de exploração desse tema. Utilizando-se de referências de autoretratos de artistas, através da confecção de máscaras de gesso, desenhos em duplas do rosto ou do corpo inteiro, trabalhos de colagens, uso de espelhos, fotografias antigas ou selfs atuais, que podem ser adaptadas para todas as faixas etárias. Explore também as diferenças de técnicas - fotografia, desenho ou pintura - levando os alunos a compreenderem as várias possibilidades de representação da realidade, o uso da imaginação e a liberdade de expressão.
Sugestão de atividade
Material - Preparar para esta aula: pedaços de papel craft de aproximadamente 1,20 m de altura, fitas adesivas, carvão, giz de cera ou lápis 6B, tesoura, materiais diversos para colagem, papéis coloridos de embalagens, fitas, folhas vegetais secas, inclua as fibras naturais como a palha de butiá, revistas e outros materias que sua imaginação mandar. Abrir o espaço no chão da sala afastando mesas e cadeiras.
Condução - Pedir aos alunos para se dividirem em duplas. Estender as folhas de papel craft no chão, duas por dupla. Um dos alunos deverá deitar sobre a folha de papel posicionando-se de forma a ocupar todo o espaço da folha, criar uma pose e ficar imóvel. O outro aluno da dupla acompanhará com o lápis 6B, giz de cera ou carvão, por meio da linha, a silhueta do colega projetada no papel. Repetir esta ação até que todos os alunos tenham sua própria silhueta delimitada pela linha de contorno do colega; Dizer aos alunos que, de posse de suas silhuetas, preencham livremente a parte interna do contorno, representando a si mesmos através da pintura e de outros materiais e colagens, explorando aspectos físicos e psicológicos, gostos e qualidades livremente. Recortar os contornos das figuras e criar em grupo uma instalação com os “autoretratos de corpo inteiro”. Pedir aos alunos que observem e transitem entre os autorretratos e, por fim, desenvolver a apresentação de cada um e o debate sobre o tema.
Desdobramentos
Transforme isto num projeto. Promova uma exposição com os resultados dos trabalhos em sala de aula e gere debates sobre a diversidade e a inclusão, os padrões de beleza e estereótipos da nossa sociedade.
2. Objetos de significado cultural
O objetivo dessa atividade é trabalhar o conceito de patrimônio pessoal, da família, da comunidade a partir da identificação de objetos significativos. Você pode iniciar mostrando, em sala de aula, objetos significativos da escola e o quanto cada objeto tem valores materiais e imateriais associados a ele. Explore que o valor vai muito além da sua materialidade, corresponde a sua importância afetiva, das histórias que carrega, usos e a forma como chegou até aqui. Peça que cada aluno identifique e traga para apresentar aos colegas, um objeto pessoal ou da família que tenha um significado especial e valor afetivo. Aproveite para destacar que a cultura é um conceito amplo, que todos os povos produzem, cada qual a seu modo e que não existem culturas superiores a outras. No Brasil, por exemplo, essa diversidade cultural é a nossa maior riqueza. Da mesma forma, os objetos que chegarem em sala de aula, terão cada um a sua própria riqueza e valor.
Sugestão de atividade
Material - Preparar para essa aula um lençol ou tecido grande e um espaço para colocar os objetos.
Condução - Recolha com cuidado os objetos de todos os alunos e organize em uma mesa. Peça que os alunos visualizem rapidamente todos os objetos e depois coloque um lençol sobre todos eles para criar um clima de mistério. Depois dessa primeira observação, escolha quem vai começar e oriente a turma para fazer-lhe perguntas buscando adivinhar qual é o seu objeto, sem que a pessoa escolhida diga diretamente o que é, como por exemplo: Que lembranças que esse objeto lhe trás? Foi dado por alguém? Para que serve? A quem pertence/ia? Quem o fez? É feito de que materiais? Tem cheiro? Faz barulho?
Quando os alunos advinharem o objeto, aquele que estava respondendo as perguntas retira-o de baixo do lençol de mostra para todos. Assim os objetos com significado pessoal serão conhecidos de forma divertida e associada a sua importância. Depois dessa etapa, cada aluno pode fazer um registro do objeto que mais lhe interessou com fotografia ou desenho, além de sua descrição.
Desdobramentos
Transforme isso num projeto. A partir dessas descobertas pode ser incentivada a pesquisa com os familiares, entrevistas e a identificação de histórias orais relacionadas aos objetos trazidos. Poderá também ser montada uma exposição ou museu dos objetos com seus registros. Pode-se ainda convidar algum familiar para falar sobre o objeto e seu significado nas outras gerações.
Entre os bens levantados pelos alunos podem surgir objetos feitos com a palha de butiá e outras fibras, aproveite a oportunidade para destacar a importância desse bem e para conhecer melhor sobre ele através do site www.artesdobutia.com.br.
3. Quem faz arte da palha de butiá?
Esta proposta permite compreender como o patrimônio imaterial está diretamente vinculado aos seus detentores, valorizá-los e entender como se dá a transmissão oral e a sua continuidade de geração em geração. Aborda também a importância do registro de informações nos tempos atuais para que estas não se percam, o que estimula a pesquisa sobre saberes e fazeres locais. A partir das atividades dos objetos significativos você pode explorar a importância do artesanato com a palha de butiá do município de Torres e ampliar a abordagem para a noção de patrimônio coletivo. Explore com os alunos a aba “Portadores e Produtos” no site www.artesdobutia.com.br para conhecer como um bem de natureza imaterial está relacionado àqueles que detem esse conhecimento. São pessoas da comunidade, grupos e coletividades que possuem relação direta com a dinâmica de produção e reprodução de determinado bem cultural imaterial. Para elas, o bem cultural expressa um modo de vida, uma visão de mundo, valores e afetos, ou seja, constitui memória e identidade. Os detentores possuem conhecimentos sobre esses bens culturais e são os principais responsáveis pela sua transmissão para as próximas gerações, pela continuidade da prática e dos valores simbólicos a ela associados.
Sugestão de Atividade
Material - Papel e caneta ou gravação no celular.
Condução - Depois de conhecer as pessoas que estão vinculadas ao modo de fazer artesanato com a palha de butiá através do site, peça que os alunos perguntem em casa se algum familiar ou morador da vizinhança pratica ou praticava este tipo de artesanato. Identifique se essa pessoa está viva ou já faleceu, seu nome e onde vivia, qual o vínculo do aluno com ela (avó, bisavó, vizinha) e uma forrma de contato com ela. Se possível peça para os alunos fazerem uma entrevista com esta pessoa, perguntando: Com quem aprendeu a fazer o artesanato com a palha de butiá? O que produz? Como é feito? Desde quando essa prática está na família? Ensinou para alguém? Quem? O que mais gosta nesse fazer e por que? Que dificuldades encontra hoje com sua produção?
Plano B: Para os alunos que não encontrarem nos seus vínculos nenhum detentor do artesanato com a palha de butiá, pode ser feito o mesmo com outra manifestação cultural que esteja presente nos seus parentes ou conhecidos, como por exemplo, alguma comida, brincadeiras antigas, cantigas, dentre outras. As perguntas podem ser adaptadas para cada situação. Por exemplo: Com quem aprendeu a fazer a pamonha? Como é preparada? Existem variações culinárias? Desde quando essa culinária está na família? Ensinou para alguém? Quem? Existe alguma parte de todo o preparo da qual gosta mais?
Desdobramentos
Transforme isso num projeto. Proponha para a turma de alunos construir uma rede de relações entre as pessoas que aparecem nas entrevistas, a partir do nome de quem foi entrevistado, com quem aprendeu e para quem ensinou. Inclua os alunos na rede. Explore se aparecem pessoas em comum, ou seja, que foram identicadas nas entrevistas de diferentes alunos. Expresse essa rede em um grande painel sobre papel pardo ou no quadro escolar ou com o apoio de um programa gratuito para elaborar mapas mentais. Organize um seminário para apresentação das entrevistas na sala de aula. Pode usar cartazes com imagens e o destaque de algum relato ou frase que chamou atenção, ou fazer de forma oral, dentre outras. Também pode ser organizado um salão ou exposição para ampliar a difusão da experiência para toda a escola e os familiares.
4. Vamos aprender a trançar?
Essa atividade permite a apropriação pelos alunos de uma etapa importante do processo de confecção das peças artesanais com a palha de butiá, que é o entrelaçamento das fibras, o trançar. A trança é a estrutura básica para a confecção do chapéu e das bolsas e pode ser feita com 9, 13, 17 palhas conforme a vontade do artesão e os objetivos do trabalho. O ato de trançar ocorre em várias culturas e pode ser realizado com vários tipos de fibras naturais (veja a aba "Outras plantas" no site Artes do Butiá). Internamente, ele organiza o pensamento e as emoções, desenvolve a concentração, a coordenação motora e fortalece a vontade, de modo que o resultado de uma trança está sempre impregnado das mãos de quem a trançou.
Sugestão de Atividade
Materiais - Adquira de uma aretesã alguns feixes de palha já preparadas para trançar. Elas podem ser localizadas através da aba "Comprar artesanato" no site Artes do Butiá.
Condução - Inicie explorando com os alunos o item A da aba “Processo” no site Artes do Butiá e conheça a complexidade do trabalho em todas as suas etapas, os conhecimentos, a dedicação e o tempo necessários a cada parte do processo. Detenha-se na "confecção da trança", passo 6, e realize uma oficina de trançar. Quanto maior o número de palhas a serem trançadas, mais difícil, inicie com 3 palhas e vá aumentando o número conforme a habilidade se desenvolva podendo chegar até 9 palhas, a quantidade mais comum. Para ajudar, veja o esquema abaixo, ou se tiver oportunidade, convide uma das detentoras apresentadas no ítem B da aba "Processo" do site Artes do Butiá ou uma pessoa que tenha surgido durante a realização da atividade 3, acima.
Plano B - Caso não seja possível proporcionar a experiência com a palha de butiá, utilize o material disponível, tiras de tecido, fios de lã, cordões.
Passo a passo: 1. Faça um feixe com as nove palhas; 2. Separe quatro palhas para um lado e cinco para o outro e inicie o movimento pelo lado que tem mais palhas; 3. Pegue a palha mais externa e passe por cima das duas ao lado e por baixo das outras duas e ela agora passou a ser a quinta palha do outro lado; 4. Então, repita o movimento de trançar começando novamente com a palha mais externa do outro lado; 5. Segue sempre começando do lado que tem cinco palhas.
Desdobramentos
O desdobramento não precisa necessariamento ser na confecção de uma peça artesanal, mas pode ser parte de um projeto de artes mais livre com a criatividade própria de cada aluno. Você pode propor um trabalho artístico que inclua as tranças confeccionadas junto com outros materiais e suportes diversos, tipo madeira, jornal, papéis coloridos, montando composições abstratas ou figurativas. Explore os limites entre a pintura e a escultura. Dentro do tema, você pode buscar a referência de artistas do cenário brasileiro, como Carlos Scliar, Piza, Guignard, Jorge de Lima, Athos Bulcão, Hélio Oiticica e Lygia Clark. Pode também discutir como a cultura é dinâmica e os processos se transformam, mas mesmo assim é importante referenciar suas inspirações e seu vínculo com a história local, estadual e brasileira.
5. Rede de relações e interdependência com o butiá
Algumas espécies de plantas dependem da ajuda de animais dispersores para se reproduzirem ou ampliarem a sua área de ocupação no território e essa fauna depende dos frutos para se alimentar. Existe também a interdependência sociocultural entre a natureza e a cultura. As artesãs dependem dos butiazais para coletarem as folhas, manterem viva sua cultura e terem uma renda complementar. Outros agricultores que coletam os frutos, produzem sucos e doces, dependem disso para um ganho extra. Já os butiazeiros dependem também dessas pessoas para serem valorizados e protegidos contra o desmatamento.
Sugestão de Atividade
Materiais - Cartolina ou papel mais grosso, lápis, hidrocor e giz de cera, e barbante a confecção para confecção de crachás.
Condução - Organize grupos de até 6 alunos. Em cada grupo, uma pessoa será o butiazeiro e as demais serão um animal ou pessoa de cada uma das cinco categorias abaixo. Peça que cada um faça um crachá com o desenho do seu personagem. Apresente um modelo, por exemplo, em meia folha de papel A4, mostrando como perfurar e passar o barbante do tamanho certo. No encontro seguinte os grupos devem formar rodas tendo o butiazeiro ao centro. É ele que vai iniciar a troca de perguntas. A cada resposta certa, o personagem dá um passo a frente em direção ao butiazeiro.
1ª Rodada
- Butiazeiro: Aponta para qualquer um na roda, por exemplo, a cutia.
- Cutia afirma: Eu dependo de você!
- Butiazeiro pergunta: Por quê?
- Cutia responde: Porque me alimento dos seus frutos! (se respondeu certo dá um passo pra frente, se errar permanece no lugar)
2ª Rodada
- Butiazeiro: Aponta novamente para qualquer um na roda, por exemplo, a cutia
- Cutia afirma agora: Você depende de mim!
- Butiazeiro pergunta: Por quê?
- Cutia: Porque eu espalho as sementes quando como seus frutos! (novamente avança um passo se acertou ou permanece no lugar se errou)
A brincadeira termina após a 2ª rodada de perguntas e quem tiver ficado mais próximo do butiazeiro compreendeu bem as interependências. Na época de frutificação dos butiás, pode ser animada com a inclusão desse alimento delicioso na brincadeira. Tipo, o butiazeiro fica com uma cestinha de frutos junto a si e quem tiver dado dois passos, ganha dois frutos para se deliciar, quem tiver dado um ou nenhum passo, ganha um fruto. Se isso acontecer, as sementes ainda podem ser plantadas no pátio da escola.
Relações de interdependência:
- Animais que se alimentam dos frutos e que dispersam as sementes - tucano, cutia, preá, papagaio, mão-pelada, cervo-do-mato, sabiá-laranjeira, macaco-prego, gambá, graxaim, saracura, jacu, gralha-azul, lagarto-teiu, paca, morcegos frugívoros, formiga
- Animais que se alimentam do nectar e pólem e que polinizam as flores - abelha jataí, abelha mirim, mariposas, borboletas, morcegos nectarífero, cambacica, beija-flor-de-fronte-violeta
- Animais que se alimentam de insetos sobre e sob a casca e que fazem a limpeza da planta - pica-pau, corruíra, tamanduá-mirim, alma-de-gato)
- Pessoas que usam a palha pra fazerem produtos e que valorizam e protegem os butiazeiros - artesãs
- Pessoas que usam o fruto fazer e vender suco, sorvete, geleia e que valorizam e protegem os butiazeiros - agricultor familiar
Desdobramentos
Há uma relação bem complexa com os tipos de dispersão feitas pelos animais que se alimentam dos frutos. Esse conteúdo pode ser explorado de forma complementar. Veja a seguir os tipos de dispersores:
- Derrubadores: Alimentam-se de uma parte da polpa dos frutos ainda no cacho derrubando-os no chão (periquitos, papagaios, cambacicas, sanhaços, saíras, tiés, sabiás e gralhas).
- Regurgitadores: Engolem o fruto inteiro e regurgitam as sementes (tucanos e veados).
- Mastigadores: Mastigam a polpa do fruto e liberam as sementes (morcegos e cuícas).
- Engolidores: Engolem o fruto inteiro e eliminam as sementes pelas fezes (macacos, jacus, lagartos, graxains e mãos-peladas).
- Estocadores: Carregam os frutos para outros lugares onde possam comê-los com tranqüilidade ou armazená-los (cutias, pacas e ratinhos-do-mato).
Essa aba com "atividades para educação patrimonial" dentro do site Artes do Butiá, criado em 2013 pelo Instituto Curicaca, foi desenvolvida em 2021 com apoio do Edital Criação e Formação Diversidade das Culturas realizado com recursos da Lei Aldir Blanc nº 14.017/20.
voltar topoO que significa comprar o artesanato com palha de butiá na Região de Torres?
Há pelo menos seis gerações, as artesãs que vivem junto aos butiazais de Torres, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, fazem artesanato com as folhas da palmeira butiá-da-praia. O modo de fazer artesanato com palha de butiá na região de Torres tem história e uma rede complexa de significados. Agrega valores de natureza imaterial como as visões de mundo, as memórias, a rede de relações sociais, o papel do trabalho feminino, as práticas, saberes e simbólismo de um grupo humano que faz parte da nossa identidade regional, importante como reconhecimento de nossa própria cultura.
Inclui saberes sobre as fases da lua e a forma de coletar as folhas sem matar a planta, de tratar a palha para que mantenha brilho e vivacidade, de trançar de diferentes formas para a produção de chapéus para uso próprio ou para venda em fardos, de interagir com a natureza e o clima para cada etapa da produção. É singular também pela confluência de características ambientais, culturais, históricas e econômicas próprias de seu território.
Na complexidade desse saber e dessa prática, reside seu valor. Nesse momento, esse saber está ameaçado, quase deixando de ser transmitido entre gerações. Por isso, atuamos intensa e colaborativamente pela sua salvaguarda e registro. Comprar esse artesanato, que necessariamente tem que ter a marca “Artes do Butiá” com o logotipo da imagem acima, é ajudar a garantir a continuidade de transmissão desse saber e contribuir para a sustentabilidade econômica de algumas famílias de pequenos agricultores que há séculos interagem com os butiazais.
Por enquanto, é difícil encontrar o artesanato com palha de butiá nas lojas de Torres ou de outras cidades. O artesanato importado ou vindo de outras regiões do Brasil acabou dominando o mercado e as artesãs locais perderam espaço. Por isso, o Instituto Curicaca vem trabalhando numa forma de apoio à comercialização que apoia a compra direta das artesãs, o que oportuniza também conhecer de maneira real um pouco mais sobre esse bem cultura e seus portadores.
As artesãs que são indicadas para a venda dos produtos listados a seguir – chapéus, bolsas e tranças – fazem parte de um grupo que vem trabalhando para manter vivo o modo de fazer artesanato com palha de butiá na Região de Torres e para conservar os butiazais de onde retiram a matéria prima. Assumiram conjuntamente o compromisso de manter os vínculos de tradição que estão presentes no artesanato, sem descaracterizá-lo. Para isso, sempre utilizarão a palha de butiá como o material dominante e a trança como o elemento básico de sustentação.
Além disso, aderiram à normativa que estabelece a forma sustentável de extrair a palha e o fruto do butiazeiro. As regras foram definidas tendo como base as práticas tradicionais transmitidas pelas artesãs de geração em geração, com uma intensidade e rodízio entre plantas adaptada para a situação de grave ameaça que os butiazeiros encontram-se no momento atual. O comprador pode e deve perguntar sobre isso ao fazer sua compra direta!
Feito para proteger do sol durante o trabalho na roça, o chapéu é costurado com carinho para os familiares e vizinhos. Para que a trama fique bem fechada e proteja bem do sol é preciso usar palha mais fina e fazê-lo com trança de treze ou quinze palhas. O tamanho da copa vai depender da fôrma de madeira da artesã, geralmente feita com timbaúva. Depois de preparado, o fundo redondo é pregado na forma, a copa vai sendo costurada com o “ponto crescente” e a linha fica escondida no meio das tranças. Chega o momento da aba, que para ser mais larga precisa usar mais braças de trança. Tem gente que vem de longe buscar um único chapéu, daqueles bem acabados, que ficam confortáveis na cabeça e duram bastante.
Algumas artesãs fazem os chapéus para vender em dúzias, que são comprados em grande quantidade para receberem uma transformação industrial. Pra isso, eles são feitos mais rapidamente, com a palha mais grossa, a trança mais frouxa e um acabamento mais grosseiro. Na indústria, a transformação é tanta que nem parece o mesmo chapéu.
Onde encontrar:
Dona Elita- 51 98022098
Dona Malvina- 51 98276500
Dona Lídia- 97965116
Dona Eracy- 96992240
As bolsas inovaram na mistura da palha do butiá com outras fibras naturais da região, principalmente a taboa. Também trouxeram o uso de corantes nas palhas mescladas ou nas tranças inteiras, dando um colorido que atrai os veranistas da região. Com formatos diferentes, são feitas com a trança mais larga, de quinze e dezessete palhas, e costuradas a mão ou a máquina. Podem ser quadradas, redondas, com ou sem tampa e com acabamentos diversos. Algumas são menores, apenas para levar pequenos objetos pra praia. Outras são maiores e mais resistentes, servindo bem para compras no supermercado e na feirinha agroecológica. Outras bolsas, pequenas e delicadas, são ideais para um passeio de fim de tarde na feira de artesanato, na confeitaria, num café da praça ou na visita aos amigos.
Com as tendências da moda e a criatividade das artesãs, as bolsas tornam-se mais dinâmicas, mudam de forma, cor e funcionalidade, assumindo novos designs. Mas não perdem a essência, a base na trança de palha de butiá, que lhes confere o vínculo cultural com esse modo de fazer artesanato.
Onde encontrar:
Dona Elita- 51 98022098
Dona Mariquinha- 51 36052916
A trança é o elemento básico para a confecção dos produtos artesanais feitos com a palha do butiá: chapéus, bolsas, tapetes e carteiras. Ela também pode ser utilizada para outros usos decorativos, como revestimento de superfícies ou acabamento de móveis.
Existem tranças de treze, quinze, dezessete e até vinte e uma palhas, que podem ser feitas também com a meia palha (palha mais fina). Elas podem ter uma trama mais frouxa ou mais apertada, conforme a necessidade e o uso. Podem ser mais claras ou mais escuras, conforme o tempo de exposição ao sol. Podem ser naturais ou coloridas se receberem corantes, inclusive com a palha pintada individualmente ou toda a trança.
Para chegarem à trança, as artesãs têm bastante trabalho e algumas delas dedicam-se exclusivamente à sua confecção, repassando a trança para que outras artesãs costurem os produtos.
Onde encontrar:
Dona Aurinha- 51 96879354, falar com Viviane